Autofágico

O que me move?

Revolta, provavelmente. Injustificada ou não? Estamos todos emaranhados de contradições, mas o mundo nunca foi em preto e branco mesmo.

Não tenho nenhum respeito por autoridades. A própria noção de autoridade, de hierarquia, me enoja. Do policial ao juiz, do pastor ao guru, até a autoridade paternal só me inspira desprezo.

A indignação paralisante do teatro de atrocidades em que vivemos me atinge de maneira aguda. Mas o cinismo decorrente do absurdo cotidiano também se faz necessário.

Não consigo me importar com minha imagem. Não me sinto compelido a compartilhar na internet meu apoio às diferentes lutas, necessárias e legítimas na sociedade. Procuro compreendê-las, apoia-las sim, mas não de maneira publicitária, pra ostentar imagem de engajado. Também não me importo de usar roupas de dez anos e outras manchadas.

Tudo isso me aliena, tanto do mercado de trabalho quanto do ambiente ativista superficial. Minhas habilidades interpessoais tem se degenerado aceleradamente. Me surpreendo de ainda ter amigos. Não uso as redes sociais de uma maneira que elas deveriam ser usadas, aparentemente. Aliás, rede social, no singular. Só tenho uma conta no facebook e já acho até demais.

Não tenho dinheiro e isso me faz perceber como os rolês que existem nessa cidade, os rolês que meus amigos vão, são fachadas medíocres pra alimentar o comércio. Que sentido faz sair se você não vai consumir? Beber também perdeu seu apelo. A cervejinha social, nem tenho vontade. Quando quero beber vou logo pra algo forte. Mas que preguiça disso também.

Quanto a amores, um desastre. Não tenho conseguido estabelecer uma conexão com ninguém. Me falta paciência pra burocracia do cortejo, um processo que geralmente também envolve dinheiro e se importar com a imagem.

A hipocrisia me revolta, mas também faço uso dela. Às vezes preciso de uma falsa salvaguarda, algo pra racionalizar um escudo, uma casca que me isole da brutal empatia que sinto pelo mundo, em todas suas bestialidades.

A maconha é um anestésico bom, necessário, mas fugaz. Assim como os filmes que são janelas para a imaginação. Tenho tido uma certa dificuldade para grandes leituras, minha percepção tem sido mais visual. Mais passiva. O que fode com o processo de escrever.

Aliás, o que é o escrever pra mim? Uma forma de ação, um vômito, um exorcismo, uma articulação, um ato de desespero? O que almejo com isso? Tenho duvidado. Uma dúvida venenosa, que sabota as aspirações. Mas se não posso contar nem com minhas pirações, o que me resta?

Não sinto mais a chama do desejo destrutivo e suicida de meus 18 anos, nem a chama da aventurança espiritual dos meus 20. Comprimido pelos blocos do materialismo, da percepção crua da história e da política, procuro extrair algo para ser meu combustível. Sei que posso fazer algo bom, que posso manifestar coisas estranhas na realidade banal. Mas saber não tem sido o suficiente.

Estudo comunicação, coisa a que decidi me dedicar depois do contato e experiência com comunicação livre, popular e autônoma. O empoderamento da linguagem, da transmissão, da ruptura à imbecilidade hegemônica. A possibilidade de criar espaços onde os significantes vigentes são destruídos, onde símbolos são reinventados, onde a linguagem tem de fato uma potência criativa. Uma potência destrutiva. E talvez seja aí onde procuro meu equilíbrio.

As correntes opostas no universo estão em mim, atuando. Entropia e evolução, verdade e manipulação, vontade e desilusão. Para operar essas forças não existem fórmulas. Não pra mim, pelo menos. Mas essa experiência é necessária. Esse blog. Ele não deve ser um espaço onde só coloco as coisas que passaram pelo impiedoso filtro de uma autocrítica doida por reconhecimento. Não. Também não deve ser um mecanismo que uso para passar pro mundo só o que há de forte e aguçado em mim. Assim isso empaca, como já empacou.

Seguirei esse experimento, meio mecânico, meio animal. Meio humano. O que pretendo com esse texto? O que me move? Talvez seja simplesmente meu instinto biológico, procurando convencer minha mente de que preciso viver. Talvez seja a máquina conceitual da mente procurando articular algum sentido pra existência banal. Mas aqui estou, inserido nessa porra, como você. Seguirei.

Qual o sentido da revolta?
É pra lá.

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