A mente farejadora

AD-VERTÊNCIA
Prólogo do Tractatus Marginale
por Wilton Cardoso

A minha mente é um enorme focinho. Sou um farejador mental. Escrever é uma exploração olfativa das atmosferas, de suas ondas olorosas. Um farejador até que alinhava, insinua conceitos, mas sem consistência. Por isto ele não é um filósofo nem um pesquisador das ciências humanas. Não é nem mesmo um intelectual no sentido forte do termo. Ele percebe e persegue as ideias, explora o ambiente em busca delas como um cão caçador, como um cão carniceiro, como um cão desejando a cadela no cio. Ele segue às cegas, confiando apenas no seu faro sensível, não raro falho, titubeante, vago e anexato. O faro é arguto, mas imperfeito, ao contrário da visão, que é celestial, exata. Ele funciona por rastros e por explorações contíguas e parciais. Já a visão procede por analogias, panorâmicas e totalizações. Ele é incapaz de conceitos, erudições, sedimentações de saber que se precipitam em teorias e sistemas. O faro é rarefeito e intenso. Toda a tensão do cão está na ponta de sua fuça irrequieta, nos mil poros frios do seu focinho molhado. O farejador mental é um cão pensante, um cão pedante. Ao invés da consistência do conceito, o farejador está interessado na sua fecundidade, no cio da ideia. Ele a capta no ar e ela, em contrapartida, o rapta pelo ar contagioso (a mente farejante é fascinada pela face virulenta das ideias). Ele fareja atmosferas, os fios finos e quase imperceptíveis de suas correntes de margens. Está envolto e atento às circulações mentais da sociedade cujos fluxos de pensamentos e afecções perturbam suas ventas. Mas farejar não é uma exploração sem rigor. Não se faz de qualquer jeito, sem tino, sem treino, sem força. É apenas outro rigor, de margem, de aragem, de específico absoluto. O texto é um mapeamento traçado com o faro. Antes, os farejadores eram ensaístas, articulistas ou ficcionistas. Alguns ficcionistas. Aqueles cujas fábulas do romance eram desculpas para as digressões, cuja história do conto era um pretexto para a ideia que se experimentava. Agora que a narrativa escrita tem se tornado cada vez mais inviável, os farejadores textuais se
refugiam mais e mais no ensaio, no artigo, na crônica ou, simplesmente, deixam o texto escorrer de suas fuças. A coragem do texto se tecendo sem limites nem textura/estrutura. O texto sem gênero/identidade. Fiação embaraçada. A desistência dos pretextos. O olfato, o tato e o palato são os sentidos mais materiais, mais baixos e animais do homem. Subumanos. Mas o tato e o palato foram muito humanizados pelas culturas, tornaram-se refinados, educados. O olfato não. Talvez por ser muito fraco no homem, não foi necessária a sua doma. Ele permanece, então, como seu sentido mais animalesco. O olfato é, nos mamíferos e em muitos outros animais, o sentido do prazer, do desejo de prazer, por onde o cio se pronuncia. É pelo faro que a carniça e a cadela seduzem o cão. O canto de sereia que enlouquece o cão pensante são as ondas de odor transpiradas pelas ideias. Pensar com o olfato, escrever farejando é desejar a ideia para o prazer. Luxúria da mente. Texto trança, texto transe, texto transa.

31/01/06

Acho que esse texto diz muito sobre o método urubu-máquina. Como bom carniceiro, farejo o que me soa mais interessante ao paladar para ser digerido por teus olhos na desolada paisagem sem fim da hiperinformação. Ainda não sei muito sobre esse autor para esboçar um tipo biografia. Mas sendo ele um verdadeiro pirata da linguagem, saqueando aqui e ali, lá e além, navegando sem hastear bandeira de nenhum domínio - nenhum império da cultura, nenhum clã de necromantes - será mais interessante mostrar aqui uma de suas poesias:


A obra completa de Wilton pode ser acessada clicando aqui.

Olivier de Sagazan e a Transfiguração

Eis que chegamos à 50ª postagem nesse blog! Entre minhas síncopes criativas e períodos infrutíferos, sigo tocando esse barco etérico. E para tomar esse lugar na ordem de minhas obscenidades, trago para vocês uma performance do artista francês Olivier de Sagazan.

Sagazan é mais uma das provas de que o espírito do surrealismo é inquebrantável e segue atormentando cérebros estéreis e inspirando iluminações profanas dos artistas e poetas profetas do caos. Não vou falar nada sobre a performance, porque muito dificilmente você já viu algo do tipo. Testemunhe agora um fenômeno extremamente peculiar:

                                             

Cada vídeo de suas performances é único. Olivier também é escultor e faz incríveis obras pintando sobre as fotos tiradas durante sua performance. Entre no site oficial do artista para conhecer mais de seu mundo fascinante e perturbador: sagazan