Inflamável

alguns me chamam de cabeça de motor. mas um amigo perspicaz diz que não sou sou o motor, sou gasolina. basta uma faísca para que eu exploda. achei sua observação muito perceptiva. eu sou mesmo uma substância pronta para a combustão. meus sentimentos são inflamáveis. em minhas convicções e revoltas, em minhas paixões caudalosas. posso passar períodos inerte, evaporando, uma poça de potencial explosivo contido. pântano inflamável de sensações sub-humanas. por vezes me sinto condenado, putrefato. mas quando uma voluptuosa chama de brilho estranho se aproxima do pavio da minha alma, não tem jeito. entro em combustão e me consumo em meu próprio fogo. como todo combustível minha função é me esvair para alimentar chamas, alimentar máquinas. que piras e mecanismos hei de alimentar com o carvão do meu corpo, com o eletromagnetismo do espírito? o cheiro de carne queimando é horrível demais, talvez eu deva me resignar a ser máquina. todo máquina. petróleo pulsante nas minhas tubulações arteriais injeta meus olhos vermelhos com a escuridão da noite. os olhos da selva me fitam, desvio o olhar. o dever sintético é um comando superior, esvaziado de significado e dor. uma confortável sentença ao movimento perpétuo da engrenagem espoliada, descartável, morta. obsolescência programada da vida, deixando circular pela matriz sua consciência elétrica, alimentando monstros virtuais que atormentam os sonhos dos organismos alienados. o império da separação se alastra e finca raízes em meu reservatório. cachoeiras inflamáveis escoarão pelas barragens destruídas por um abalo sísmico. o núcleo incandescente irrompe numa corrente impiedosa. metais doces e metais pesados, derretidos na torrente que engole ditaduras de aço e delírios de concreto. só há um imperativo.

TUDO
DEVE
QUEIMAR


मृत्यु का तापसी अनुध्यान (David Giomba)
   

biópsia transversal

Anastasios Gionis
correrias do coração
corredeiras do coração

carne queimada
dura
amarga

chafurdando como ratos
ratazanas
nos esgotos do meu inconsciente

pulando
pululando
como sapos pustulentos

eu tenho a patente da patologia

parasitando o futuro
pra sustentar o passado

a areia do sonho se esvai
em castelos
derretidos
pela febre

tautocronia
suave sinfonia

no fundo somos todos amargos

antes dramático
que apático

Scherzo Rajada - metralhadora poética marginal



...
Fumando uma idéia
dentro desse açougue metafísico :
É quase impossível
não pensar no paradoxo
quando irrompe nas esquinas,
a humanidade
com sua corrompida verticalidade
que jamais se tornará o diamante
...



Contra o Nazismo Psíquico, lançado em 2013 no soundcloud direto de Cubatão, é um álbum explosivo. Poesia, política e magia se encontram nessa encruzilhada do Universo para atacar as forças do autoritarismo psíquico vigente, "todas as tentativas de controlar, limitar ou destruir o caos formam a essência do nazismo psíquico". Mas o caos é indestrutível.


O nazismo psíquico se alimenta da diluição da angústia em um pragmatismo ou utilitarismo disfarçado de ética-estética do vazio que por sua vez se alimenta da lógica do possível imediato da ditadura das coisas.

Esses dois últimos fragmentos são excertos do manifesto que é a faixa título do álbum, mas somente um vislumbre dessa obra. Os poemas e a voz de Marcelo Ariel soam como um Gil Scott-Heron ("a revolução não será televisionada") em sua cadência falada, declamada, sem entonação melódica e sem pretensão de canto. Pra que canto? A presença da música negra e ambientes soturnos nos beats elaborados por Ismael Sendeski, Kleber Nigro e convidados dão força para os versos/cosmogramas de Ariel, que ostenta na manga suas influências. O álbum antropofágico reverbera diversas inspirações: os beatniks e poetas marginais brasileiros como Roberto Piva e Waly Salomão, o terrorismo poético de Hakim Bey, análises situacionistas e complexas leituras filosóficas, políticas e esotéricas são codificadas num fluxo ininterrupto.

O que escreve poemas, profere a sentença
do fundo do balcão de negócios
de altos negócios:
A polícia é o dragão de 3 cabeças
Os comandos são a cauda.
O que escreve é um poeta enterrado em Marcola
como Dante em Savonarola
À direita do dragão:
Advogados e seus chicotes de retórica
(A mesma desde Quintiliano)

(Brasília-DF)
Por duzentos euros
Advogados-romanos compram um dos ecos
da minha voz
lendo Santo Agostinho
dentro do Titanic-Negreiro



Ilustrando a conturbada paisagem mental das metrópoles brasileiras, a erudição se funde à revolta popular, usando todas as armas retóricas e poéticas no combate às máquinas mentais da ignorância, aos tentáculos discursivos do Império. Surrealismo cruel e vertiginosas passagens de ficção científica são ferramentas empregadas para expôr e extirpar a essência perversa da nossa organização social. Assim continuamos em Cadenza dos Comandos:


(América Latina)
O resultado:
No New York Times
a visão de um ônibus em chamas
envia um nítido
“Vão tomar no cu!”
ao mundo inteiro…
Esses ônibus, meus irmãos
são ilhas em chamas
no canto 12 do purgatório…
À nossa esquerda
Kafka conversa com Hitler
no celular
e isso será multiplicado…

(A Avenida Paulista evolui para uma elipse e é invadida pelo vazio das 4 da manhã)
Toquemos
Os coros invisíveis de Stockhausen
Nos carros, para os cães no futuro
Futuro jardim dos doze mil comandos.
No lugar de “Ordem e Progresso”,
se escreverá:
VIVA A POPULAÇÃO CARCERÁRIA!

Há pouco mais (na verdade muito) que pode ser falado sobre essa obra que me tomou de assalto. Quando ouvi a primeira faixa já soube que iria fazer uma postagem nesse blog. Ao ouvir o restante do disco, me intoxiquei. Então se você ainda não se convenceu, digo imperativamente: ouça o disco no soundcloud, onde os artistas também disponibilizaram todas as letras desse alucinado spoken-word.


Vida Guerra atirou o recém-nascido do quarto andar e antes que aquele boneco do Farnese chegasse ao chão ele explodiu e de dentro do recém-nascido saíram vários celulares com mp3 e mp20 câmera digitais holográficas...antes que eles...os celulares tocassem o solo se transformaram em mendigos do futuro formados na PUC,USP,UNICAMP, MACKENZIE e etc... mendigos e outros fantasmas invisíveis...visíveis por 30 segundos por causa das 9.000 câmeras da Avenida Geral (Ex-Avenida Paulista)

Um dos mendigos com mestrado em física antes de desaparecer ouviu o poema dizer:
- Basta você não ter dinheiro para ser um fantasma invisível lendo isto ou
- Basta você ter muito dinheiro para ser um fantasma vivo lendo isto.

True Beauty is Emptiness


Play me a song without any meaning
You know in the end it won't make a difference
Feel no remorse about anything
Emotions only hold you back and tie you down to a transparent lie
Accept that you're worthless
True beauty is emptiness
Accept that you're worthless
The true path is effortless