Aparições poéticas - Planeta Guerra


Planeta Guerra - uma ode à hipocrisia
Estratégia de ação diversa
Operações psicológicas de dominação
Submissão mental sistemática e brutal
Destruição de sonhos e sentimentos
Covardia bélica infanticida
Internacionalmente lícita, legal, protocolar
Apatia do consenso arquitetado
Duas linhagens da mesma praga
Parasitas mentais
O medo primitivo

Germina o ódio destrutivo
Ideias de aço

Alimentam o mais profundo desespero
Que tira do homem sua humanidade
Gera monstros atormentados
Vítimas do laboratório global
Complexo industrial de produção do trauma
Grande câncer cogumelo atômico
No núcleo da mente
Símbolo definitivo

Filhos do apocalipse abençoados pelo nada
Ungidos de veneno num êxtase tóxico
Orgasmos sifilíticos de odor aristocrático
O rigor dos túmulos é a medida disciplinar
Hierarquia de horrores
A grande ordem

Ciência ancestral da manipulação mental
É uma realidade sustentada pela ignorância de si
O medo é o regulador da sobrevivência
O terror é a coleira dos povos
A insegurança é a chibata da consciência
A paranoia é o vício dos atentos
O dinheiro é a unidade geral da felicidade
O excesso é o ideal da miséria
A dicotomia dos extremos é condicionada
Fobia epidêmica selvageria social
A inveja é o motor de tanta dor
Idolatria do sistema educando os oprimidos a adorar fantoches
Transtorno emocional coletivo
Relação de conflito
Ódio é amor

Estado fraternal
Força policial

Matam seu vizinho e abraçam seu filho
Pacificação blindada ungida à bala
Sacrifícios de sangue
Hecatombe-oferenda

Ferida cósmica nutrindo o vampirismo planetário
Coração negro do vazio sideral
Sedução voraz
A fome do absurdo

Martelo magnético pregando as correntes da submissão
Levando-nos ao limite da razão
A vida que se esvai estancando a ilusão
Acabou a alienação
(E agora?)

Espetáculos Espectrais: O Bandido da Luz Vermelha

O Bandido da Luz Vermelha (1968), filme de Rogério Sganzerla

TRATA-SE DE UM FAROESTE SOBRE O TERCEIRO MUNDO

Sganzerla. Crítico do críptico, desvelando às ocultas, olhar perquiridor, cinemática extática, semiotransgressor, sensível e agressivo, irreverente e cínico. Seu olho clínico sobre a situação social revela nuances de um esquema maior, percebe com perspectiva rapineira os planos maiores da maquete urbana/humana - a grande figura, que não pode ser assim mostrada, não é assim que acontece. São códigos, situações, nomes e mistérios as peças desse jogo cujo manual de regras se perdeu e teve de ser improvisado. Arbitrariedades profundas sintomáticas de um mal maior, profundidades sintéticas de uma animalidade pior. A pompa dos safardanas à mostra como o que realmente é: pavoneamento estúpido para disfarçar a perversão. Arte como crime - crime como arte. Um tapa, um tiro. Um beijo com desdém na boca do além.

UM GÊNIO OU UMA BESTA




O espectador é conduzido pela ação por uma narração que imita a linguagem radiofônica dos anos 60, ridicularizando a narrativa policialesca com toda a pompa de seus bordões, invadidos pelos pulsos poéticos e exageros que expõe a natureza cômica dos códigos jornalísticos. A imagem intermitente de um letreiro de rua que passa mensagens noticiosas complementa a narração com fragmentos que podem ou não se relacionar com as cenas em que ela se insere. As frases em destaque, gritadas através desse texto, são retiradas de falas dos narradores, personagens ou dos letreiros. São chaves para a narrativa aforismática desse filme. Aforismos, passagens, reflexões e pensamentos que nos assaltam assim como as imagens, roubam nossa atenção e atiram ideias. Alvejados por fragmentos de informação cuja própria construção segue uma agenda desconhecida, articulações difusas e estratégias escusas - não é assim que vivemos?

QUEM TIVER DE SAPATO NÃO SOBRA!



Esse não é um filme moralista ou moralizante. Lançado pouco tempo antes do AI-5, foi uma cartada rápida num jogo marcado. Sganzerla nos mostrou a natureza dessas instituições mecânicas e relações hipócritas em que vivemos, onde a narrativa do crime é construída para nos desviar a atenção das atividades criminosas legalmente amparadas e socialmente legitimadas pela maleável opinião pública.

OS GÂNGSTERS ESTÃO EM TODAS: NA POLÍTICA, NA ADMINISTRAÇÃO, NAS FAMÍLIAS, NO FUTEBOL, NA IMPRENSA, NOS BILHARES E NAS ELEIÇÕES. NA VIDA NOTURNA, NOS ATENTADOS CONTRA O PRESIDENTE, NA PAZ, NA GUERRA, NOS MONASTÉRIOS E NOS PRESÍDIOS. NEM SEMPRE É UM INIMIGO PÚBLICO NÚMERO UM!

O bandido de Sganzerla é o marginal sintomático. O subproduto indesejado do desenvolvimento humano. Pouco importa o bandido real, em que este foi inspirado. Ele é o canalizador de uma narrativa que nos aponta o âmago criminoso de nossa civilização. Seus crimes não tem um viés ideológico, nessa época em que o banditismo por questão de classe tem implicações políticas, seu ódio é existencial. A ousadia temerária de seus crimes seduzia algumas patroas, que eram tratadas pelos maridos magnatas como a casa, o dinheiro, as joias - propriedade privada. Mas não é um bandido romântico, idealista. Essa é mais uma trágica e banal história de nossa era industrial, onde cadáveres frescos na calçada são cobertos com jornais. Ele está sempre caçando, a procura de algo que não encontra. Chame do que quiser: identidade, propósito. Luz tem uma maleta cheia de bugigangas em que escreveu bem grande no forro: "EU".



UM BRASILEIRO À TOA NA MARÉ DA ÚLTIMA ETAPA DO CAPITALISMO


"Arte moderna... é o que sempre digo: coisa de depravado", essa frase é do investigador/delegado Cabeção (para os íntimos) em uma cena do crime do temível bandido. Parece algo que já vimos em algum lugar, não? Os nazistas promoviam exposições dos grandes artistas da arte moderna, para denunciá-los como pervertidos e agentes da decadência e depois queimar suas obras em público. Essa não é a única referência aos criminosos do Terceiro Reich no filme, a certa altura o letreiro impassível diz:

MARTIN BORMAN, O HERDEIRO DE HITLER, NÃO ESTARIA REFUGIADO NO PARAGUAI - MAS DISTRIBUINDO DÓLARES FALSOS NO GUARUJÁ


Mais tarde veremos uma suposta ligação entre o infame criminoso de guerra que escapou no fim do conflito com o proeminente político brasileiro J.B. da Silva, intimamente relacionado com a gangue Mão Negra, contraventores de diversos truques que agem em São Paulo. J.B. diz ter jurado, em sua primeira comunhão, se tornar presidente para tirar o povo da miséria. É inquirido por um repórter: "E a miséria?", com elegância responde:  "Que miséria meu filho? Um país sem miséria é um país sem folclore, e um país sem folclore o que que nós podemos mostrar pro turista?"

Luz é um bandido sim, mas não se mistura com esses gângsters organizados. Luz é solitário, suicida. Já tentou se matar bebendo tinta a óleo, mas não deu pé. Uma cena mostra um programa de TV onde cidadãos de bem apoiavam a pena de morte num discurso inflamado, enquanto isso ele tomava banho de bidê.




E o jornalista grita impaciente na redação: "Pelo amor de Deus, um homicídio pra primeira página!"

TUDO ESTÁ ILUMINADO POR UMA TERRÍVEL LUZ AVERMELHADA!

Assista o filme e veja o desfecho, mas principalmente o desenrolar, dessa trama abjeta que nos traz o Século XX embaralhado num disco prateado. Que fim levará o temido marginal?  "Precisava sair de toda aquela confusão, de toda aquela balbúrdia, de toda aquela palhaçada que não vai mudar nem a cor da sua gravata!" E todas essas tramóias político-econômicas que o império precisa empreender para sobreviver, chegarão aos ouvidos do grande público? Discos voadores foram avistados em vários lugares do país, e invadiam também as notícias do rádio. Que relação teriam esses objetos não identificados com nazistas refugiados na América Latina, gângsters-ministros em sua escalada de poder e a instabilidade na bolsa de valores gerada pela morte de um magnata dos cosméticos?

O CONSPIRADOR É UM SONHADOR DO ABSOLUTO!


E sobem os créditos com a trilha do rock n' roll psicoativo de Jimi Hendrix, característico dos filmes de Mr. Sganzerla, mixado com cantos africanos do candomblé.

CONCLUSÃO: SOZINHO A GENTE NÃO VALE NADA! E DAÍ?

#tecnonarciso

                                                                                                                                                                                               Steve Cutts

tecnonarciso
mecanismo líquido
refletindo o absurdo
imagem modelada
esculpida/editada
vitrine social
belíssima fachada
cardumes humanos
pegos pelas redes
docilmente capturados
sutilmente vigiados
registrados e catalogados
exposição voluntária
comunicação instantânea
constante notificação
o ralo da atenção
a busca por contato
carência de aprovação
sentimento de pertencimento
sensação de interação
pode buscar conhecimento
devorar banalidades
eterno entretenimento
dependência se instala
não se vive sem a tela
suposta produtividade
necessidade profissional
tantas utilidades
e mais futilidades
mas como é belo admirar
seus perfis
suas mensagens
suas fotos
repercussões
o ego se conforta
a mente se distrai
da condição de escravo
pra realidade virtual
que já infecta o real
suaves dispositivos
aplicativos sensoriais
a eterna sedução
de um espelho sem fundo

Negativland II

anticores

desmaterialização

olho de vidro

transpassado

sombras brancas

fontes de escuridão

espelho refratário

fractal realidade

nervo distóptico

Negativland II

house of god
ascenção

mecanotheus

anima

hokusai //

darkwave

holy smoke

hiroshige fluxus
homicidal bless

sanctum profanum


Jaguaribe Carne - Alimento para a Guerrilha Cultural


Documentário de 2007 que conta a trajetória do grupo.

Jaguaribe Carne não é uma simples banda. É um extenso projeto de militância social cuja expressão musical se manifesta com diversos tons. Desde os anos 70, Paulo Ró e Pedro Osmar agregam todo tipo de gente na plataforma Jaguaribe Carne, no bairro Jaguaribe em João Pessoa, capital da Paraíba.

"Liberdade
Liberdade
É o único sentimento de revolta"

No quintal da casa de Dona Madalena, o barulho que os jovens irmãos Pedro e Paulo faziam não era brincadeira. Ou melhor, era. Eram experimentações com objetos comuns, latas, panelas, copos e corpos, tudo que estivesse à mão. As sonoridades e ritmos improvisados abriram caminho para a expressão musical e poética. Com o tempo, o projeto cresceu e começou a atuar fora da esfera sonora. Não vou desenhar só porque "não sei desenhar"? Não vou fazer um poema porque não sei escrever algo catedrático? Pro diabo! A atitude de quebrar com a fragmentação da expressão artística provocava as pessoas a se apoderarem das diferentes formas de comunicação e arte.  

"Dalva me falou
Dalva me falou
Que estava cansada de ficar quieta
Que estava cansada de ficar quieta
E vocês
E vocês
E vocês
O que me dizem?"

Cada capa do disco instrumental de 1983 é única. Depois da impressão em capa branca com o logo da banda, o grupo incentivou que cada pessoa que pegasse um disco fizesse nele uma intervenção própria.
A democratização do conhecimento, a mobilização popular e a transgressão do estabelecido são ações que não se reduzem à música. Guerrilha cultural é o conceito evocado pelo grupo para explicar o espírito do seu movimento. A provocação sempre foi a tônica de Pedro Osmar para despertar o desejo de ação. O projeto Fala Jaguaribe, começado em 1982, teve como uma das sedes a casa de dona Anunciada, que servia para agregar crianças e jovens da região ávidos para construir uma movimentação popular. Mutirões de pintura, oficinas de percussão criativa e as mais diversas intervenções artísticas ocuparam ruas de João Pessoa.

"E vem no vento
E vem na cor
E vem de dentro
E vem da dor"


Para o Jaguaribe Carne, música popular não é aquela estabelecida comercial ou tradicionalmente. Pelo contrário, é música livre dos padrões estéticos estabelecidos. É música experimental, música manifesto, canção de protesto. É barulho, cacofonia, ruído, vocalização. É exploração de territórios sonoros normalmente ignorados, é abertura dos ouvidos para sonoridades estranhas, é incentivo à criação independente da padronização. Baião e música concreta, samba e rap, psicodelia e lambada, marchinhas de carnaval e dodecafonias dançam de braços dados em suas composições ousadas e provocadoras.

"No exercício de voar
É fazer rima com as palavras
É pousar na imaginação
Das asas das asas das asas das asas"


O álbum Vem no Vento, lançado em 2003, conta com a participação de consagrados artistas nordestinos e músicos independentes que acompanham a jornada do grupo há décadas. Lenine, Elba Ramalho, Chico César e Zeca Baleiro são só algumas das figuras que somaram na criação deste disco único.

"Ô meu povo agora
Braços dados ora
Na coragem grita
Me dá me dá
Grita está na hora
Ô meu povo teima
Conquistar a terra
Sem ter medo avança"


Abaixo estão duas músicas dessa obra prima que é Vem no Vento, de onde tirei os trechos das letras que pontuam este texto. Mas esse é um disco para se ouvir inteiro, várias vezes e por muito tempo! Por isso aqui está o link para o download do álbum, disponibilizado pelo blog Música da Paraíba. Como não achei as letras na internet, transcrevi de ouvido mesmo. Você pode acessá-las aqui.


                                     

Aos que se Foram - Totonho e Pedro Osmar

Ligados na modernidade medieval
Elefantes de palha dessa indústria de cosméticos!

Por que você fez isso meu irmão?
Por que você fez isso meu irmão?

Ateando fogo à roupa no meio da multidão
Desesperado sem trabalho, sem saúde
sem morada, sem viver
Vendo a família sofrer
E sabendo que o país desse governo
Não vai a lugar nenhum

Me deu um nó no peito meu irmão
Me deu um nó no peito meu irmão

Não é assim, não é assim que se faz
Não é jogando a vida embaixo de um caminhão
Não é pulando do edifício se estatelando no chão
Que você vai resolver o problema da família
Que vive um mau momento
Envergonhado de ver seu pai pedindo na rua
Envergonhada de ver sua mãe se entregando nua
Pra pelo menos garantir
Um pouco desse feijão, um pouco dessa farinha
Um pouco desse feijão, um pouco dessa farinha
Que ora está na mesa, que ora está mesa

É duro ver um amigo nesse chão
É duro ver um amigo nesse chão

Depois de acreditar na Lei
Depois de acreditar em Deus
Depois de tanta Democracia
Depois de tanto Carnaval

Depois de acreditar na Lei
Depois de acreditar em Deus
Depois de tanta Democracia
Depois de tanto Carnaval

Por que você fez isso meu irmão?
Por que você fez isso meu irmão?
Por quê? Por quê?
Me deu um nó no peito
Por que você fez isso?
É duro ver um amigo nesse chão
Me deu um nó no peito
Por que você fez isso?
É duro ver um amigo nesse chão
Por que você fez isso meu irmão?
Por que você fez isso?
Me deu um nó no peito




Delírio de Gari - Diana Miranda, Paulinho Ditarso, Paulo Ró e Pedro Osmar

Os urubus são aves do paraíso
Os urubus são aves do paraíso

Os anjos são urubus travestidos
Os anjos são urubus travestidos

Os urubus são aves do paraíso
Os urubus são aves do paraíso

Os anjos são urubus travestidos
Os anjos são urubus travestidos

Dê-me ao luxo de catar isso
Dê-me ao luxo de catar isso
Dê-me ao luxo de cada isso