Inflamável

alguns me chamam de cabeça de motor. mas um amigo perspicaz diz que não sou sou o motor, sou gasolina. basta uma faísca para que eu exploda. achei sua observação muito perceptiva. eu sou mesmo uma substância pronta para a combustão. meus sentimentos são inflamáveis. em minhas convicções e revoltas, em minhas paixões caudalosas. posso passar períodos inerte, evaporando, uma poça de potencial explosivo contido. pântano inflamável de sensações sub-humanas. por vezes me sinto condenado, putrefato. mas quando uma voluptuosa chama de brilho estranho se aproxima do pavio da minha alma, não tem jeito. entro em combustão e me consumo em meu próprio fogo. como todo combustível minha função é me esvair para alimentar chamas, alimentar máquinas. que piras e mecanismos hei de alimentar com o carvão do meu corpo, com o eletromagnetismo do espírito? o cheiro de carne queimando é horrível demais, talvez eu deva me resignar a ser máquina. todo máquina. petróleo pulsante nas minhas tubulações arteriais injeta meus olhos vermelhos com a escuridão da noite. os olhos da selva me fitam, desvio o olhar. o dever sintético é um comando superior, esvaziado de significado e dor. uma confortável sentença ao movimento perpétuo da engrenagem espoliada, descartável, morta. obsolescência programada da vida, deixando circular pela matriz sua consciência elétrica, alimentando monstros virtuais que atormentam os sonhos dos organismos alienados. o império da separação se alastra e finca raízes em meu reservatório. cachoeiras inflamáveis escoarão pelas barragens destruídas por um abalo sísmico. o núcleo incandescente irrompe numa corrente impiedosa. metais doces e metais pesados, derretidos na torrente que engole ditaduras de aço e delírios de concreto. só há um imperativo.

TUDO
DEVE
QUEIMAR


मृत्यु का तापसी अनुध्यान (David Giomba)
   

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