Ser pessimista e orgulhoso é uma combinação de merda. Estar certo, além de ser pedante, é venenoso. Será que meu projeto políticapocalíptico aqui expresso não é exatamente o que Eles - os inimigos da liberdade, o 0,1% da humanidade - não é bem isso que eles querem? Que tudo se arruíne no caos para que a ordem seja restaurada por aqueles com recursos para sobreviver ao colapso e construir o novo mundo?
Pra onde mandar o currículo? Illuminati, Inc. está contratando. O café é free.
Esperança e dinamite andam de mãos dadas, nas mesmas mãos cerradas, em tempos de desespero toda luta é armada. Quando a inevitabilidade da explosão reclamar a sua hora, não haverá muralha entre sangue e sentimento.
Não é essa a aceitação necessária para abraçar o absurdo?
Eu sei mentir bem, mas não gosto.
Como confiar em vocês?
Me permita um momento de sórdida lucidez. Sour sincerity. Sinceridade amarga.
É a sina do espírito que se curva ao impulso detetizador. Sutil diferença, será que percebeu?
Entre encontrar e eliminar, qual é o limiar?
O neologismo é o recurso do vil. O trocadilho, o refúgio do verme.
Tenho que eliminar os graus de podridão que me cercam.
1349. La peste noire. Malucos com bicos recheados de ervas cutucam os corpos com varas e colocam sapos sobre seus bulbos pustulentos. Caçando miasmas pegavam pulgas. E morriam. Era só ter uma sacada, mas o paradigma científico ainda não estava no ponto.
13:49. Contemporaneidade. A peste é mais insidiosa. Se instala nos corpos mais sutis. Espírito e mente também são infectados. Todos os chakras desequilibrados. Malucos mascarados chafurdam nos cancros orgânicos e espirituais, incautos como seus ancestrais. O vetor ainda não foi identificado, certificado, catalogado. Mas continuamos inspecionando com nossas rudes ferramentas sofisticadas.
A ambição atual é ser viral. Infectar, se alastrar, expandir, conquistar, explorar. Nada de novo sob o Sol, só mudou o meio de disseminação. Evolução pós-humana, a espécie finalmente aceita sua natureza infecciosa e busca uma auto-eliminação sistemática para uma nova aurora inorgânica.
eu já tenho as minhas
próprias contradições. não conseguiria entrar pra algum partido ou movimento e
ainda abraçar as suas. ter de defendê-las ou criticá-las uma a uma para tentar
atingir um nível aceitável de coerência interna vestindo uma camiseta com uma
sigla. não dá. não me dê bandeira com símbolo algum. eu não vou segurá-la. não
tente me convencer a participar de militância publicitária que só realiza
propaganda e agitação superficial. entendo o poder da dimensão simbólica e
grande parte dele consiste em enganar. em mostrar, em discursar, em aparentar.
é o que aparece que importa. o ângulo certo e os retoques necessários. conhecer
as inseguranças e desejos mais secretos e mais universais e dedilhar seus
acordes com carinho. pouco importa o que não aparece. fora de quadro a cena
inspiradora com uma música emocionante não é nada. puro truque de palco. a
prisão da atenção. entretenimento - já viu a etimologia dessa palavra? pois é,
prender nossa atenção é o único recurso de sobrevivência pra todos os negócios
e instituições estruturais desse sistema. por isso seus artifícios e
sortilégios tem orçamentos estratosféricos e recursos fantásticos. produzem
fantasmas. reflexos superficiais de uma realidade refletida. mas refletida de
onde? refletida do que? onde está a fonte de luz? onde está o referencial? quem
encara o espelho? como na história do vampiro, só que às avessas. olho o
espelho e vejo o reflexo. mas eu não estou lá. lá? aqui. meu reflexo está ali,
minha imagem - minha linguagem inata, meu layout interativo intuitivo, minhas
configurações de autoimagem, meu reflexo refletido no espelho do outro. como eu
vejo o reflexo dos outros no meu espelho? será que essas imagens existem? só eu
que sou virtual? vampiro-às-avessas virtual? quais são as virtudes da
virtualidade? a mais óbvia é que você não existe. não de verdade. num mundo
justo todos serão considerados inexistentes até que se prove o contrário. se o
paradoxo não puder ser assimilado e instalado no sistema operacional, este não
será compatível com o ambiente da rede realidade. se a verificação do córtex
frontal resultar num erro de processador aborte a operação e tente fazer o
backup dos arquivos para outro dispositivo. o manifesto surrealista nunca
poderia ter conjecturado a natureza onírica destes tempos fluídos, quase um
século relâmpago depois. reflexos refratários em superfícies polidas ou
rachadas, sujas ou imaculadas, o reflexo que procura não é esse produzido pelas
leis da ótica - é um reflexo que te cobra banda larga. pacote de dados. qual a senha
do wi-fi? existe mais publicidade no mundo do que um ser humano de 128 anos
poderia absorver se ficasse grudado numa tela do parto ao caixão. some a isso o
entretenimento e as notícias. qual a diferença entre esses três mesmo? cada vez
mais parecidos, enredados, filhos da mesma indústria fértil e farta, filhos
pródigos da mesma ninhada bestial, eternos magotes famintos projetando suas
mandíbulas de hipopótamo para abocanhar um punhado da nossa atenção, uma ampola
do nosso espírito, para inocular seu feitiço narcótico, um sonho manufaturado
engenhado especialmente para sua satisfação, camadas de tratamentos de cores
para criar um mundo mais vívido que o seu, a magia da ilusão e da edição se
fundem com ternura em seu coração, quem é o novo ícone da revolução? a nova
popstar teen do clube do Mickey fez um vídeo de si ostentando um prolapso retal
e o novo passinho do Esquenta virou viral. abuso. alienação da mercadoria.
mercadoria que é o corpo. objeto e identificação. objetivo e indexação. é a
alma. uma nova promoção. promoção e pra mocinha. sonhos de transformação
transformados em merchandising. os meios de profusão transmitindo a
programação. transmentido pra população. informação, entretenimento, notícia,
propaganda, pronunciamento, publicidade o que discernir de toda essa lavagem?
miúdos. miúdos mergulhados na estática. doce ruído branco analógico, seus
fantasmas costumavam assombrar mansamente os lares das famílias que botou pra
dormir, como babá diligente ou janela do desespero, agora já não estão mais lá.
substituídos pelos erros digitais, glitches nos megapixels da sua tela,uma conexão que se encerra, qualquer melodia
reduzida à perpétua repetição de um décimo de segundo travado caído no gráfico
frustrado desconectado cordão umbilical que vinha arrastando a décadas
subitamente arrancado, conector usb não identificado. entorpecimento eletrônico
interrompido. narco narciso torceu as narinas pra substâncias físicas. o que
importa são as qualidades espirituais do ego - atenção. todos querem entreter.
com sua dor, com sua raiva, com a sua confusão, com a sua alegria. um riso ou
uma lágrima é o pagamento - devidamente contabilizado pelo google adsense. não
há nada pra revelar pois é tudo verdade. é tudo real. documental. suco
mental. extraindo leite de caixinha. longavida bandalarga e cocaboa – the millenial
dream
Me dê uma cachaça eu tô amargo demais pra beber cerveja ora veja quem não gosta de fumaça minha querida não entende de bebida nessa vida eu já caí na desgraça
Versão da música da banda Eddie, tocada pela General Junkie de Natal. Viva o Manguebeat.
"Toda cidade é necrópole, é cemitério. O homem é o único animal que
armazena seus mortos. Quer dizer, fica empilhando morto e a cidade tem
que ficar em torno pra ficar velando aqueles mortos" - Roberto Piva
Dirigido pelo excelente cineasta paulistano Ugo Giorgetti, o documentário Uma outra cidade conta a São Paulo dos anos 50 e 60 vivida pelos poetas Antonio Fernando de Franceschi, Rodrigo de Haro, Claudio Willer, Roberto Piva e Jorge Mautner. Este último, notório por sua grande carreira musical, é com certeza o mais conhecido desse bando. Piva, xamã panfletário do caos, é um de meus autores preferidos e já dediquei um artigo nesse blog para sua poesia convulsiva. Claudio Willer é um autor ainda em atividade com o qual tive meu primeiro contato através de suas traduções: Lautreámont, Allen Ginsberg e Antonin Artaud são alguns dos autores que ele traduziu para o português. Franceschi e Haro conheci através desse filme e já estou muito curioso para conhecer mais sobre suas obras.
A cidade vista pelos olhos desses jovens artistas incendiários é um banquete de cenas oníricas e memórias ricamente turvas, reveladas em entrevistas com os autores que introduziram na literatura brasileira uma expressão original das rupturas feitas pelos beatniks e pelos surrealistas, rompendo com todo rigor estético ainda vigente na poesia nativa. Eram ávidos leitores de poetas ainda obscuros como Jorge de Lima e Murilo Mendes, assim como dos universais Fernando Pessoa e Drummond. O formalismo dos círculos literatos e universitários gerava uma aversão mútua entre esses grupos e os poetas. Como diz Piva em um trecho, o grupo anárquico formado por eles estava de saco cheio de São Paulo e seus poetas cagados. Ofereceu para eles esse chá de Bules, bílis e bolas
Nós convidamos todos a se entregarem à dissolução e ao desregramento A vida não pode sucumbir no torniquete da consciência A vida explode sempre no mais além Abaixo as faculdades e que triunfem os maconheiros É preciso não ter medo de deixar irromper a nossa alma fecal
Metodistas,
psicólogos, advogados, engenheiros, estudantes, patrões, operários,
químicos, cientistas, contra vós deve estar o espírito da juventude Abaixo a Segurança Pública, quem precisa disso? Somos deliciosamente desorganizados e usualmente nos associamos com a liberdade Procuramos
amigos que não sejam sérios: macumbeiros, os loucos confidentes,
imperadores desterrados, freiras surdas, cafajestes com hemorroidas e
todos os que detestam os sonhos incolores da poesia das arcadas
Nós sabemos muito bem que a ternura de lacinhos é um luxo protozoário Sede violentos como uma gastrite! Abaixo as borboletas douradas, olhai o cintilante conteúdo das latrinas A nossa batalha foi iniciada por Nero e se inspira nas palavras moribundas "Como são lindos os olhos deste idiota"
(Roberto Piva. Transcrição do documentário.)
As paisagens da cidade eram digeridas por seus cérebros antropófagos e
transformadas em poesia. Costurando a malha urbana pela trilha esparsa de livrarias e bares, não eram só os lugares característicos e cheios de vida de São Paulo que davam vida a imaginação dos poetas. Rodrigo de Haro, em uma incursão pelo bairro da
Liberdade para frequentar o cinema local que passava os lançamentos de
filmes japoneses que os poetas adoravam, escreveu: Visita à Igreja dos Enforcados
No passo familiar que trilho suando palmo a palmo fechado pela sombra dos edifícios de três pisos - três infernos ninguém está para me saudar nada encontro de parecido com um desesperado abraço ninguém espera minha capa para fugir embuçado nem flor da noite pendurada na trave a ruir nem velas acesas nem cavalos alveolados com as narinas abertas como grandes crateras nem tu! espada da morte gladio oculto atrás de cada porta dama da noite dama de espadas dama da forca no passo familiar ninguém vem abraçar-me mas aqui repouso no beco sem liteira diante de três paredes rodeado de ladridos meu coração e vejo ai! que vejo levantar-se a forca decepar-se o porco encerar-se a corda piso cuidadoso a laje pegajosa estalo todos os meus ossos sei que estou sozinho diante do adro apagou-se toda luminária é a igreja dos enforcados
(Rodrigo de Haro. Transcrito do documentário.) Uma outra cidade nos mostra a maior cidade da América Latina numa época de peculiar efervescência anterior à ditadura militar e à massificação, sob o olhar de rapina de um grupo de artistas que se mantiveram à margem da tradição e da popularidade mas que são fonte viva e pulsante de arte inovadora e destemida. SOBREVIVEREMOS (RUÍNAS ROMANAS)
Quantos poetas já não estiveram aqui quantos já não escreveram sobre a ofuscante aniquilação diante desses dramáticos perfis minerais quase natureza reduzidos a não mais que montanha tão perto da pedra original barro anterior à forma fronteira da mão que trabalha, do vento, da água neles ressoa a ensandecida voz do oco, do cavo, da fresta os silvos do vento no silêncio matizado de sussurros e agora também sou dos que enxergam o informe monstruoso passado escultores do avesso os reduziram a isso os autores do cruel teorema que nos condena ao presente e repete que nada sabemos e nada vale a pena pois passado e futuro só existem como passo para a informe eternidade a custo divisamos lá fora a realidade logo ali outro lugar onde existiremos menos ainda nós é que somos os fantasmas e a solidez é o que está aí, nas ruínas a dizer-nos que isto - nada - é tudo o que temos
From Cambodia to South Darfur, Salvador and Palestine
tears for all my brothers and my sisters in the war machine
Children killed for nothing, dying on the borders
with a bunch of hopes bleeding on their shoulders
In the cities of control freedom costs a lot of money,
refugees from all the world tortured by the army,
human trafficking and little girls in prostitution
Cops will shoot you in the head, prepare for Revolution
Soon it's gonna be that day for the weak and the poor
soon it's gonna come that day that we won't be ruled
"Sequence Theory Project é uma banda não comercial. No modo de vida atual o Homem humilha toda criatura viva em nome de dinheiro, poder, autoridade e ordem. Nós resistimos a essa situação direcionada com nosso projeto coletivo de música, criando um ambiente digital D.IY. para compartilhar nossa arte com o público." (tradução livre da descrição no bandcamp)
Aí está um interessante projeto musical moderno. Todo esse disco, The collapse of civilization é permeado pela ansiedade pandêmica da nossa civilização condenada. Diversas influências eletrônicas, de décadas atrás ou bem atuais, podem ser percebidas no álbum. A poesia amarga, porém esperançosa, ganha vida na rica voz da vocalista. Às vezes vacilante e rouca, em outras profunda e determinada, essa mina canta com a alma. Recomendo ouvir inteiro, tem uma ou outra meio chatas, mas é um bom álbum. Pelo bandcamp você pode baixar de graça ou dar uma contribuição para a banda. Não há muita informação sobre eles na rede, percebe-se que eu falei poucos detalhes sobre a banda em si porque também não sei muita coisa. Mas se quiser saber mais sobre ela, a página oficial deles no facebook está aqui: Sequence Theory Project.
A música que postei, esse dub bélico melancólico e esperançoso, foi uma das que toquei como parte do projeto Negras Barcas na intervenção da Rádio Gralha no Bar Fidel aqui em Curitiba. Foram vários programas propagados por caixas de som e transmitidos em FM. Na foto sou eu discotecando e falando atrocidades na rua. Rolou até uma leitura do Planeta Guerra.