cristãos sionistas com princípios conservadores e fetiches apocalípticos ébrios de delírios bíblicos decretam genocídios proféticos bombardeios messiânicos sacrifícios antedeluvianos espetáculo escatológico dos aquitetos do fim do mundo
Esse parágrafo espasmódico foi expelido por mim após algumas horas de pesquisa sobre a história do Oriente Médio. Meu cérebro estava saturado de informação sobre como imperialismo ocidental subjulgou o mundo árabe, manipulou seus líderes, instigou guerras e traiu povos em alianças trapaceiras para garantir o controle da hegemonia europeia na região. Conhecer o turbilhão que é a história do Oriente Médio no Século XX é essencial para procurar entender a geopolítica atual e o impacto do sionismo na constante desestabilização da região.
Na foto, soldados israelenses invadem a mesquita Al-Aqsa em 1967.
O vídeo acima conta a história da fundação do estado de Israel por figuras da elite do Império Britânico, entre elas o Barão Walter Rothschild, o Primeiro Ministro David Lloyd George e Arthur James Balfour, que deu o nome à Declaração de Balfour. A correspondência entre Balfour e Rothschild explicitava a posição do governo britânico em favor do estabelecimento de uma nação judia na Palestina. Esses homens eram cristãos sionistas de formação profundamente religiosa e tendo aprendido os nomes de colinas e vales de Jerusalém antes de conhecer as paisagens da Inglaterra, Balfour era a força que canalizava os sonhos bíblicos de um imaginário anglicano colonialista que já via a "terra sagrada" como parte da Inglaterra e a Inglaterra como uma "terra sagrada". Acreditando serem agentes que viabilizariam o cumprimento das profecias bíblicas que falavam do retorno dos judeus, o povo escolhido, para a terra prometida, esses cristãos sionistas do mais alto escalão declararam o começo do jugo dos povos árabes e a perpetuação do domínio ocidental na região sob a forma de um poderoso Estado gestado e nutrido pelo mais poderoso Império do mundo. Um Estado bélico desde sua formação, com uma fixação colonialista e uma justificação sagrada para o domínio, a consagração final das cruzadas cristãs.
Jerusalem (William Blake) "And did those feet in ancient time Walk upon England's mountains green? And was the holy Lamb of God On England's pleasant pastures seen?
And did the Countenance Divine Shine forth upon our clouded hills? And was Jerusalem builded here Among these dark Satanic Mills?
Bring me my bow of burning gold! Bring me my arrows of desire! Bring me my spear! O clouds, unfold! Bring me my chariot of fire!
I will not cease from mental fight, Nor shall my sword sleep in my hand, Till we have built Jerusalem In England's green and pleasant land."
Ó Blake, poeta profeta delirante, será que um dia imaginou a extensão da fantasia glorificada em sua poesia?
Desnorte caminhos do crânio desterritorializados correntes nervosas esperanças constipadas pressão e pesar os dentes da guerra maceram impérios povos em pedaços numa massa sangrenta saliva vermelha nos lábios da trapaça garganta armadilha engasga ameaça sobram ruínas ruínas da alma jóias do progresso o sabor da cultura sombrio coração deserto da civilização
“Nunca houve um monumento da cultura que não fosse
também um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de
barbárie, não o é tampouco, o processo de transmissão da cultura (...) O
assombro com o fato de que os episódios que vivemos no século XX
‘ainda’ sejam possíveis, não é um assombro filosófico. Ele não gera
nenhum conhecimento, a não ser o conhecimento de que a concepção de
história da qual emana semelhante assombro é insustentável”.
alquimia geopolítica a criação profana do golem-multidão estímulo programado transmissão imediata inteligência artificial ação biopolítica reação da crítica predação aristocrática demogorgon povo-monstro sinfonia da revolta engenharia social escassez sintetizada plantio da pestilência sufocar a resistência guerra de informação controle da percepção símbolos e bombas sacrifícios rituais alianças econômicas prisões eletrônicas rosas angustiadas sangram insurretas explodindo a falsidade blocos da realidade sincronia das correntes rodas energéticas fluxos de consciência ritmos universais espelhos fractais novidades ancestrais efêmera imensidão um segundo uma semente um toque o poente
semeando a nova terra estranhas voltas loucura profissional a natureza da realidade floresce no olho da mente navegar paisagens trêmulas ar rarefeito montanhas passadas escadas astrais o mundo que gira inverte o voar meu peito trovoa um abalo sísmico no seu olhar
e o velho avô urubu riu e desvelou o caminho com suas asas:
- de que importa de que lado você esteja? o que importa é que continuem seguindo em frente. continuem nesse fluxo. continuem destruindo a mãe.
Simbologia ISIS - Egito - mãe noite lua universo inconsciente útero
O grupo terrorista criado pelos próprios poderes estabelecidos do império para criar uma convergência global que vai destruir o fantoche, e com ele o símbolo, executando um mega ritual militar exotérico.
A militarização, a morte, o extrativismo, a predação, o vampirismo universal, são princípios perversos que se fortalecem para um ataque ao sagrado feminino, à terra, a criação, a fonte da vida e da morte.
Iraque era a Babilônia. Suméria. UR. O começo de tudo. Relíquias milenares dessas antigas civilizações estão sendo destruídas pelos fantoches assassinos que deturpam o nome de ISIS numa profanação propagada planetariamente pela mídia e pelo complexo de inteligência global. A memória da origem humana está sendo destruída (e vendida) para uma reprogramação mental massiva; a desconexão do espírito humano com a mater - matéria - terra - mãe terra.
Agora todas as potencias globais e suas colônias financeiras convergem no teatro de guerra da terra para destruir a "ameaça contra a humanidade" numa estretégia de Full Spectrum Dominance que escala numa hecatombe, num holocausto - palavra cujo significado é sacrifício - numa oferenda aos novos tempos consagrada às velhas elites banhadas do sangue que também nos banha, e se acumula em nossos pés, e nos afoga, o sangue que somos obrigados a consumir por todas as bocas de nossos corpos inoculados pelas infinitas veias-encanamentos da circulação de recursos e dinheiro que é esse sistema nefasto. Esse constructo bestial de potencialidades apocalípticas, conjurado pelos escravocratas da humanidade, a realeza carnívora da terra que teima em fincar suas garras sobre uma presa abatida mesmo quando seu próprio corpo esquálido decai, cada osso se partindo, um tremor que caminha pelos braços e injeta-se no botão que lança a armada de mísseis nucleares para os quatrocentos cantos do planeta, uma celebração cósmica do gene suicida humano, um delírio nefasto que infecta o insconsciente coletivo e programa nossas vidas rumo à destruição.
Arabescos das bestas Bocas se abrindo como fissuras de terremoto Mastigando os próprios dentes A dimensão da maceração
Estranha iluminação Facas sagradas do destino destilando lâminas líquidas Lágrimas que laceram A queda efêmera de uma gota suicida No espelho fluido da vida
Tirania temporal que impera Na escalada brutal das eras Forças saturninas ceifando a colina Acariciando a bruma do esquecimento Doce toxina que oxigena o pensamento Dunas que se desfazem na ampulheta-mente Sonhos que se esvaem violentamente Suave atmosfera
Árvores ósseas sussurram segredos De como fazer pequenos venenos Ilusões oníricas e queridos pesadelos Espetáculos espectrais em frascos fractrais Ideias narcóticas de infusão instantânea Paisagens invisíveis Mergulhos profundos Retornos terríveis Ressaca do mundo
Revolta, provavelmente. Injustificada ou não? Estamos todos emaranhados de contradições, mas o mundo nunca foi em preto e branco mesmo.
Não tenho nenhum respeito por autoridades. A própria noção de autoridade, de hierarquia, me enoja. Do policial ao juiz, do pastor ao guru, até a autoridade paternal só me inspira desprezo.
A indignação paralisante do teatro de atrocidades em que vivemos me atinge de maneira aguda. Mas o cinismo decorrente do absurdo cotidiano também se faz necessário.
Não consigo me importar com minha imagem. Não me sinto compelido a compartilhar na internet meu apoio às diferentes lutas, necessárias e legítimas na sociedade. Procuro compreendê-las, apoia-las sim, mas não de maneira publicitária, pra ostentar imagem de engajado. Também não me importo de usar roupas de dez anos e outras manchadas.
Tudo isso me aliena, tanto do mercado de trabalho quanto do ambiente ativista superficial. Minhas habilidades interpessoais tem se degenerado aceleradamente. Me surpreendo de ainda ter amigos. Não uso as redes sociais de uma maneira que elas deveriam ser usadas, aparentemente. Aliás, rede social, no singular. Só tenho uma conta no facebook e já acho até demais.
Não tenho dinheiro e isso me faz perceber como os rolês que existem nessa cidade, os rolês que meus amigos vão, são fachadas medíocres pra alimentar o comércio. Que sentido faz sair se você não vai consumir? Beber também perdeu seu apelo. A cervejinha social, nem tenho vontade. Quando quero beber vou logo pra algo forte. Mas que preguiça disso também.
Quanto a amores, um desastre. Não tenho conseguido estabelecer uma conexão com ninguém. Me falta paciência pra burocracia do cortejo, um processo que geralmente também envolve dinheiro e se importar com a imagem.
A hipocrisia me revolta, mas também faço uso dela. Às vezes preciso de uma falsa salvaguarda, algo pra racionalizar um escudo, uma casca que me isole da brutal empatia que sinto pelo mundo, em todas suas bestialidades.
A maconha é um anestésico bom, necessário, mas fugaz. Assim como os filmes que são janelas para a imaginação. Tenho tido uma certa dificuldade para grandes leituras, minha percepção tem sido mais visual. Mais passiva. O que fode com o processo de escrever.
Aliás, o que é o escrever pra mim? Uma forma de ação, um vômito, um exorcismo, uma articulação, um ato de desespero? O que almejo com isso? Tenho duvidado. Uma dúvida venenosa, que sabota as aspirações. Mas se não posso contar nem com minhas pirações, o que me resta?
Não sinto mais a chama do desejo destrutivo e suicida de meus 18 anos, nem a chama da aventurança espiritual dos meus 20. Comprimido pelos blocos do materialismo, da percepção crua da história e da política, procuro extrair algo para ser meu combustível. Sei que posso fazer algo bom, que posso manifestar coisas estranhas na realidade banal. Mas saber não tem sido o suficiente.
Estudo comunicação, coisa a que decidi me dedicar depois do contato e experiência com comunicação livre, popular e autônoma. O empoderamento da linguagem, da transmissão, da ruptura à imbecilidade hegemônica. A possibilidade de criar espaços onde os significantes vigentes são destruídos, onde símbolos são reinventados, onde a linguagem tem de fato uma potência criativa. Uma potência destrutiva. E talvez seja aí onde procuro meu equilíbrio.
As correntes opostas no universo estão em mim, atuando. Entropia e evolução, verdade e manipulação, vontade e desilusão. Para operar essas forças não existem fórmulas. Não pra mim, pelo menos. Mas essa experiência é necessária. Esse blog. Ele não deve ser um espaço onde só coloco as coisas que passaram pelo impiedoso filtro de uma autocrítica doida por reconhecimento. Não. Também não deve ser um mecanismo que uso para passar pro mundo só o que há de forte e aguçado em mim. Assim isso empaca, como já empacou.
Seguirei esse experimento, meio mecânico, meio animal. Meio humano. O que pretendo com esse texto? O que me move? Talvez seja simplesmente meu instinto biológico, procurando convencer minha mente de que preciso viver. Talvez seja a máquina conceitual da mente procurando articular algum sentido pra existência banal. Mas aqui estou, inserido nessa porra, como você. Seguirei.
Isso aqui precisa ser mais espontâneo pra viver. Sem o peso da expectativa das grandes criações. Sem a íntima burocracia autodepreciativa. Sem receio da recepção.
KMFDM é uma banda alemã de metal industrial com uma veia distintamente eletrônica. Não é uma favorita, mas cheguei a baixar a discografia deles há uns anos, hoje desatualizada. Recentemente a memória de algumas músicas voltou à superfície da mente, delas uma frase em particular. "People of the lie". Pessoas da mentira? O povo da mentira. Adeptos da mentira. E por aí vai. Diz muito sobre o mundo desse jeito fodido que está, não é? E sobre nós. Sobre mim. A mentira é fácil. Vem naturalmente, automática. Sutil e matemática. Escorre bem pelos canos da máquina. A verdade é inconveniente como a bola de pelos que entope a pia. Como a privada entupida. Como sangue rançoso que transborda.
Qual é a natureza da realidade?
Whatever you believe Nobody cares Whatever it is you think you know Don't give a goddamn Reality is bullshit Reflection is a concept Based on your own Fucked up idea Don't call it part of your faith Another way you justify hate Voices shouting under water Drown you out and steal your air Blinded by their own illusion Through a crooked looking glass Army of thieves Blood on their hands Lightning, fire and brimstone They'll say whatever they can Conspiracy theories, arrogant trash They prowl alone and travel in packs Voices shouting in the water Drag you down and steal your air Dissolute, diabolic Snake oil salesmen everywhere People of the lie People of the lie People of the lie People of the lie Whatever you believe Nobody cares Idol worship made up fantasy Don't push your deity on me Reality is bullshit Reflection is a concept Based on your own Fucked up idea People of the lie People of the lie People of the lie People of the lie
Limpando as aranhas de minhas entranhas, urubu-máquina não morre. E também não vive.
Juntando peças, símbolos que se conectam. Palavras ao vento esvoaçando em esferas estranhamente presentes. Enguias deslizando pelas vias do meu cérebro, eletricidade percorrendo meu sistema nervoso central, paisagens eletrônicas em janelas abertas, espelhos fictícios de uma nova era. Existência miúda e alienada. Deserto dos desejos, jardim das simulações. Abismo ambulante em brutais meditações. À busca de fantasmas, quimeras perdidas entre as camadas do tempo, lembranças fugidias de um passado inexistente. Uma vida de cacos e amargas manchas borradas. Caminhos interrompidos e rastros intocados, licores insípidos e amores negados, bagagem estúpida e desnecessária. Os venenos mais inócuos são aqueles que nos matam. Morremos de dentro pra fora. Ou de fora pra dentro. Mas o que vai por último é a casca.
7/10/2014 às 09h52 (Atualizado em 7/10/2014 às 10h25)
Bebê é abandonada dentro de máquina de lavar cercada de urubus em Oriximiná (PA)
Eletrodoméstico havia sido jogado no lixo; ainda não se sabe quem é a mãe da criança
Uma bebê recém-nascida foi encontrada em uma máquina de lavar jogada no
lixo em Oriximiná, no Pará. A menina foi localizada por uma mulher no
momento em que urubus sobrevoavam o local.
(...) Presa da engenharia de fluxos. Criança malvinda do futuro congestionado. Há um tempo, pesquisando pelas palavras que compõe o conceito-constructo que é o título desse blog, encontrei essa notícia. Eu esperava que ela me inspirasse para algum escrito, o que só aconteceu vários dias depois, nessa insólita manhã insone. Aqui está:
Rob Thomas Ser humáquina. Templo carcinogênico, corpo transgênico. Cem mil células de agressão. Produtividade de pulsões ininterruptas. Artérias de aço no encanamento da justiça, os esgotos da ética como sustância imunda, substância inoculada no útero sintético pelo cabo umbilical de retroalimentação psicossocial.
Um encontro fortuito de uma mente estagnada com um destino mecânico. Soluções trágicas para um fim programado. Um filme prostrado. Ideias cinemascópicas esvanecendo pelo ar da memória. Fumaça invisível que permeia os cérebros. Mistério miasmático que embala os corações decrépitos. Essência do sono em constante espreita energética, na periferia do halo luminoso da vigília. Doce vapor roxo da solidez da insanidade, sabor vivaz da consciência, a insalubridade da solitude. O paradoxo tóxico do oxigênio, demanda molecular dos segundos vitais, exigênio exigindo a dívida do respirar. Mas ele ainda paira no ar, nos anestesiando sutilmente. Garras de vidro dedilhando um piano congelado sob a chuva de guarda-chuvas. O delírio é um paquiderme enjaulado nas trapaças da lógica.
Onirismo. A invasão da dimensão maquínica pela inversão da ilusão clínica. O absurdo se mostra pelo que é: real. Paradigmas e protocolos, gravatas e cartolas, sádicos e carolas - acalorados em seus discursos vociferantes, amplificados pela máquina de propagada global, metralhadoras de sentido, juízes de significado, palavras larvas que infectam frutos imaturos. Sonhos corrompidos em crisálidas opacas, dando luz a monstros sulfurosos, ideias de calibre bélico, fantasias de dominação, hipertrofia do medo, epidemia do pavor, nervos primitivos seguindo os instintos, o ataque prévio para evitar a dor, a paranoia mais estúpida para diluir o rancor. Cruzadas maniqueístas conduzidas por fantoches, sangria garantida para o solo faminto. Florescem floras de sangue supérfluo e os rebanhos se acirram sem raciocinar
Meu olho vermelho vê melhor por dentro mergulhado no salgado mar da mente. Submergindo do sub-quociente para as camadas proibidas da desordem latente. Velejar cardíaco pelas rotas animortas. O limiar que jaz entre o espaço e a esfera, o desejar escasso entre a esperança e a espera. Deste não-mundo retiro filamentos espectrais semelhantes a antenas de crustáceos, componente de um aparato neurótico experimental. Seu propósito? Classificado. Informação indisponível. O sigilo é um espírito que assombra o espírito. Algoritmos coadjuvantes de uma visão alucinada. A luz é o nada.
Planeta Guerra - uma ode à hipocrisia Estratégia de ação diversa Operações psicológicas de dominação Submissão mental sistemática e brutal Destruição de sonhos e sentimentos Covardia bélica infanticida Internacionalmente lícita, legal, protocolar Apatia do consenso arquitetado Duas linhagens da mesma praga Parasitas mentais O medo primitivo Germina o ódio destrutivo Ideias de aço Alimentam o mais profundo desespero Que tira do homem sua humanidade Gera monstros atormentados Vítimas do laboratório global Complexo industrial de produção do trauma Grande câncer cogumelo atômico No núcleo da mente Símbolo definitivo Filhos do apocalipse abençoados pelo nada Ungidos de veneno num êxtase tóxico Orgasmos sifilíticos de odor aristocrático O rigor dos túmulos é a medida disciplinar Hierarquia de horrores A grande ordem Ciência ancestral da manipulação mental É uma realidade sustentada pela ignorância de si O medo é o regulador da sobrevivência O terror é a coleira dos povos A insegurança é a chibata da consciência A paranoia é o vício dos atentos O dinheiro é a unidade geral da felicidade O excesso é o ideal da miséria A dicotomia dos extremos é condicionada Fobia epidêmica selvageria social A inveja é o motor de tanta dor Idolatria do sistema educando os oprimidos a adorar fantoches Transtorno emocional coletivo Relação de conflito Ódio é amor Estado fraternal Força policial Matam seu vizinho e abraçam seu filho Pacificação blindada ungida à bala Sacrifícios de sangue Hecatombe-oferenda Ferida cósmica nutrindo o vampirismo planetário Coração negro do vazio sideral Sedução voraz A fome do absurdo Martelo magnético pregando as correntes da submissão Levando-nos ao limite da razão A vida que se esvai estancando a ilusão Acabou a alienação (E agora?)
O Bandido da Luz Vermelha (1968), filme de Rogério Sganzerla
TRATA-SE DE UM FAROESTE SOBRE O TERCEIRO MUNDO
Sganzerla. Crítico do críptico, desvelando às ocultas, olhar perquiridor, cinemática extática, semiotransgressor, sensível e agressivo, irreverente e cínico. Seu olho clínico sobre a situação social revela nuances de um esquema maior, percebe com perspectiva rapineira os planos maiores da maquete urbana/humana - a grande figura, que não pode ser assim mostrada, não é assim que acontece. São códigos, situações, nomes e mistérios as peças desse jogo cujo manual de regras se perdeu e teve de ser improvisado. Arbitrariedades profundas sintomáticas de um mal maior, profundidades sintéticas de uma animalidade pior. A pompa dos safardanas à mostra como o que realmente é: pavoneamento estúpido para disfarçar a perversão. Arte como crime - crime como arte. Um tapa, um tiro. Um beijo com desdém na boca do além. UM GÊNIO OU UMA BESTA
O espectador é conduzido pela ação por uma narração que imita a linguagem radiofônica dos anos 60, ridicularizando a narrativa policialesca com toda a pompa de seus bordões, invadidos pelos pulsos poéticos e exageros que expõe a natureza cômica dos códigos jornalísticos. A imagem intermitente de um letreiro de rua que passa mensagens noticiosas complementa a narração com fragmentos que podem ou não se relacionar com as cenas em que ela se insere. As frases em destaque, gritadas através desse texto, são retiradas de falas dos narradores, personagens ou dos letreiros. São chaves para a narrativa aforismática desse filme. Aforismos, passagens, reflexões e pensamentos que nos assaltam assim como as imagens, roubam nossa atenção e atiram ideias. Alvejados por fragmentos de informação cuja própria construção segue uma agenda desconhecida, articulações difusas e estratégias escusas - não é assim que vivemos? QUEM TIVER DE SAPATO NÃO SOBRA!
Esse não é um filme moralista ou moralizante. Lançado pouco tempo antes do AI-5, foi uma cartada rápida num jogo marcado. Sganzerla nos mostrou a natureza dessas instituições mecânicas e relações hipócritas em que vivemos, onde a narrativa do crime é construída para nos desviar a atenção das atividades criminosas legalmente amparadas e socialmente legitimadas pela maleável opinião pública.
OS GÂNGSTERS ESTÃO EM TODAS: NA POLÍTICA, NA ADMINISTRAÇÃO, NAS
FAMÍLIAS, NO FUTEBOL, NA IMPRENSA, NOS BILHARES E NAS ELEIÇÕES. NA VIDA
NOTURNA, NOS ATENTADOS CONTRA O PRESIDENTE, NA PAZ, NA GUERRA, NOS
MONASTÉRIOS E NOS PRESÍDIOS. NEM SEMPRE É UM INIMIGO PÚBLICO NÚMERO UM!
O bandido de Sganzerla é o marginal sintomático. O subproduto indesejado do desenvolvimento humano. Pouco importa o bandido real, em que este foi inspirado. Ele é o canalizador de uma narrativa que nos aponta o âmago criminoso de nossa civilização. Seus crimes não tem um viés ideológico, nessa época em que o banditismo por questão de classe tem implicações políticas, seu ódio é existencial. A ousadia temerária de seus crimes seduzia algumas patroas, que eram tratadas pelos maridos magnatas como a casa, o dinheiro, as joias - propriedade privada. Mas não é um bandido romântico, idealista. Essa é mais uma trágica e banal história de nossa era industrial, onde cadáveres frescos na calçada são cobertos com jornais. Ele está sempre caçando, a procura de algo que não encontra. Chame do que quiser: identidade, propósito. Luz tem uma maleta cheia de bugigangas em que escreveu bem grande no forro: "EU".
UM BRASILEIRO À TOA NA MARÉ DA ÚLTIMA ETAPA DO CAPITALISMO
"Arte moderna... é o que sempre digo: coisa de depravado", essa frase é do investigador/delegado Cabeção (para os íntimos) em uma cena do crime do temível bandido. Parece algo que já vimos em algum lugar, não? Os nazistas promoviam exposições dos grandes artistas da arte moderna, para denunciá-los como pervertidos e agentes da decadência e depois queimar suas obras em público. Essa não é a única referência aos criminosos do Terceiro Reich no filme, a certa altura o letreiro impassível diz: MARTIN BORMAN, O HERDEIRO DE HITLER, NÃO ESTARIA REFUGIADO NO PARAGUAI - MAS DISTRIBUINDO DÓLARES FALSOS NO GUARUJÁ
Mais tarde veremos uma suposta ligação entre o infame criminoso de guerra que escapou no fim do conflito com o proeminente político brasileiro J.B. da Silva, intimamente relacionado com a gangue Mão Negra, contraventores de diversos truques que agem em São Paulo. J.B. diz ter jurado, em sua primeira comunhão, se tornar presidente para tirar o povo da miséria. É inquirido por um repórter: "E a miséria?", com elegância responde: "Que miséria meu filho? Um país sem miséria é um país sem folclore, e um país sem folclore o que que nós podemos mostrar pro turista?"
Luz é um bandido sim, mas não se mistura com esses gângsters organizados. Luz é solitário, suicida. Já tentou se matar bebendo tinta a óleo, mas não deu pé. Uma cena mostra um programa de TV onde cidadãos de bem apoiavam a pena de morte num discurso inflamado, enquanto isso ele tomava banho de bidê.
E o jornalista grita impaciente na redação: "Pelo amor de Deus, um homicídio pra primeira página!"
TUDO ESTÁ ILUMINADO POR UMA TERRÍVEL LUZ AVERMELHADA!
Assista o filme e veja o desfecho, mas principalmente o desenrolar, dessa trama abjeta que nos traz o Século XX embaralhado num disco prateado. Que fim levará o temido marginal? "Precisava sair de toda aquela confusão, de toda aquela balbúrdia, de toda aquela palhaçada que não vai mudar nem a cor da sua gravata!" E todas essas tramóias político-econômicas que o império precisa empreender para sobreviver, chegarão aos ouvidos do grande público? Discos voadores foram avistados em vários lugares do país, e invadiam também as notícias do rádio. Que relação teriam esses objetos não identificados com nazistas refugiados na América Latina, gângsters-ministros em sua escalada de poder e a instabilidade na bolsa de valores gerada pela morte de um magnata dos cosméticos? O CONSPIRADOR É UM SONHADOR DO ABSOLUTO!
E sobem os créditos com a trilha do rock n' roll psicoativo de Jimi Hendrix, característico dos filmes de Mr. Sganzerla, mixado com cantos africanos do candomblé. CONCLUSÃO: SOZINHO A GENTE NÃO VALE NADA! E DAÍ?
tecnonarciso mecanismo líquido refletindo o absurdo imagem modelada esculpida/editada vitrine social belíssima fachada cardumes humanos pegos pelas redes docilmente capturados sutilmente vigiados registrados e catalogados exposição voluntária comunicação instantânea constante notificação o ralo da atenção a busca por contato carência de aprovação sentimento de pertencimento sensação de interação pode buscar conhecimento devorar banalidades eterno entretenimento dependência se instala não se vive sem a tela suposta produtividade necessidade profissional tantas utilidades e mais futilidades mas como é belo admirar seus perfis suas mensagens suas fotos repercussões o ego se conforta a mente se distrai da condição de escravo pra realidade virtual que já infecta o real suaves dispositivos aplicativos sensoriais a eterna sedução de um espelho sem fundo
Documentário de 2007 que conta a trajetória do grupo.
Jaguaribe Carne não é uma simples banda. É um extenso projeto de militância social cuja expressão musical se manifesta com diversos tons. Desde os anos 70, Paulo Ró e Pedro Osmar agregam todo tipo de gente na plataforma Jaguaribe Carne, no bairro Jaguaribe em João Pessoa, capital da Paraíba.
"Liberdade Liberdade É o único sentimento de revolta" No quintal da casa de Dona Madalena, o barulho que os jovens irmãos
Pedro e Paulo faziam não era brincadeira. Ou melhor, era. Eram
experimentações com objetos comuns, latas, panelas, copos e corpos, tudo
que estivesse à mão. As sonoridades e ritmos improvisados abriram
caminho para a expressão musical e poética. Com o tempo, o projeto
cresceu e começou a atuar fora da esfera sonora. Não vou desenhar só
porque "não sei desenhar"? Não vou fazer um poema porque não sei
escrever algo catedrático? Pro diabo! A atitude de quebrar com a
fragmentação da expressão artística provocava as pessoas a se apoderarem das diferentes formas de comunicação e arte.
"Dalva me falou Dalva me falou Que estava cansada de ficar quieta Que estava cansada de ficar quieta E vocês E vocês E vocês O que me dizem?"
Cada capa do disco instrumental de 1983 é única. Depois da impressão em capa branca com o logo da banda, o grupo incentivou que cada pessoa que pegasse um disco fizesse nele uma intervenção própria.
A democratização do conhecimento, a mobilização popular e a transgressão
do estabelecido são ações que não se reduzem à música. Guerrilha
cultural é o conceito evocado pelo grupo para explicar o espírito do seu
movimento. A provocação sempre foi a tônica de Pedro Osmar para
despertar o desejo de ação. O projeto Fala Jaguaribe, começado em 1982,
teve como uma das sedes a casa de dona Anunciada, que servia para
agregar crianças e jovens da região ávidos para construir uma
movimentação popular. Mutirões de pintura, oficinas de percussão
criativa e as mais diversas intervenções artísticas ocuparam ruas de
João Pessoa. "E vem no vento E vem na cor E vem de dentro E vem da dor"
Para o Jaguaribe Carne, música popular não é aquela estabelecida comercial ou tradicionalmente. Pelo contrário, é música livre dos padrões estéticos estabelecidos. É música experimental, música manifesto, canção de protesto. É barulho, cacofonia, ruído, vocalização. É exploração de territórios sonoros normalmente ignorados, é abertura dos ouvidos para sonoridades estranhas, é incentivo à criação independente da padronização. Baião e música concreta, samba e rap, psicodelia e lambada, marchinhas de carnaval e dodecafonias dançam de braços dados em suas composições ousadas e provocadoras.
"No exercício de voar É fazer rima com as palavras É pousar na imaginação Das asas das asas das asas das asas"
O álbum Vem no Vento, lançado em 2003, conta com a participação de consagrados artistas nordestinos e músicos independentes que acompanham a jornada do grupo há décadas. Lenine, Elba Ramalho, Chico César e Zeca Baleiro são só algumas das figuras que somaram na criação deste disco único.
"Ô meu povo agora Braços dados ora Na coragem grita Me dá me dá Grita está na hora Ô meu povo teima Conquistar a terra Sem ter medo avança"
Abaixo estão duas músicas dessa obra prima que é Vem no Vento, de onde tirei os trechos das letras que pontuam este texto. Mas esse é um disco para se ouvir inteiro, várias vezes e por muito tempo! Por isso aqui está o link para o download do álbum, disponibilizado pelo blog Música da Paraíba. Como não achei as letras na internet, transcrevi de ouvido mesmo. Você pode acessá-las aqui.
Aos que se Foram - Totonho e Pedro Osmar
Ligados na modernidade medieval
Elefantes de palha dessa indústria de cosméticos!
Por que você fez isso meu irmão?
Por que você fez isso meu irmão?
Ateando fogo à roupa no meio da multidão
Desesperado sem trabalho, sem saúde
sem morada, sem viver
Vendo a família sofrer
E sabendo que o país desse governo
Não vai a lugar nenhum
Me deu um nó no peito meu irmão
Me deu um nó no peito meu irmão
Não é assim, não é assim que se faz
Não é jogando a vida embaixo de um caminhão
Não é pulando do edifício se estatelando no chão
Que você vai resolver o problema da família
Que vive um mau momento
Envergonhado de ver seu pai pedindo na rua
Envergonhada de ver sua mãe se entregando nua
Pra pelo menos garantir
Um pouco desse feijão, um pouco dessa farinha
Um pouco desse feijão, um pouco dessa farinha
Que ora está na mesa, que ora está mesa
É duro ver um amigo nesse chão
É duro ver um amigo nesse chão
Depois de acreditar na Lei
Depois de acreditar em Deus
Depois de tanta Democracia
Depois de tanto Carnaval
Depois de acreditar na Lei
Depois de acreditar em Deus
Depois de tanta Democracia
Depois de tanto Carnaval
Por que você fez isso meu irmão?
Por que você fez isso meu irmão?
Por quê? Por quê?
Me deu um nó no peito
Por que você fez isso?
É duro ver um amigo nesse chão
Me deu um nó no peito
Por que você fez isso?
É duro ver um amigo nesse chão
Por que você fez isso meu irmão?
Por que você fez isso?
Me deu um nó no peito
Delírio de Gari - Diana Miranda, Paulinho Ditarso, Paulo Ró e Pedro Osmar
O
texto a seguir, lançado postumamente em 1966, foi escrito por um poeta francês excomungado
do movimento surrealista. É um manifesto mordaz contra a hipocrisia da
proibição das substâncias que nos trazem gozo e estupefação desde a
aurora dos tempos: as drogas. Em uma prosa poética furiosa e
alucinada, Gilbert-Lecombe desvela com sua pena embriagada de morfina e
Lautréamont os mistérios que impelem os seres aos 'paraísos
artificiais'. Para explicar o sublime fenômeno da Morte-na-vida, o poeta
evoca Morfeu, entidade primordial do sonho, em sua encarnação como
traficante do absoluto. Uma obra sincera e visceral que traz o peso de
uma precoce crítica antiproibicionista e antimanicomial, através do olhar de um poeta que conheceu intimamente os prazeres e horrores do vício.
Para melhor apreciação, leia com esse som rolando:
Senhor Morfeu, Envenenador Público
Roger Gilbert-Lecomte
Se Claude Farrère – e possa ele jamais arrepender-se do que fez de melhor ao longo de sua carreira! Se Antonin Artaud e, principalmente, magnificamente, Robert Desnos, cada qual por seu turno, sozinho, trataram, sem tabu, do problema das drogas sobre o espírito após a promulgação da pouco inteligente lei de proibição (julho de 1916), nem tudo foi dito e o protesto não deve morrer: jamais será tão vivo como no momento presente para responder à diarreia jornalística documentário-moralizadora e principalmente policial sobre os “paraísos artificiais” (sic e resic e resic). Diários e hebdomadários, ilustrados ou não, maculam incessantemente suas colunas com reportagens retumbantes, feitas por escribas de todas as opiniões e de todos os sexos, sendo seu ponto em comum a profunda impotência em encarar corretamente uma questão sem dizer “amém” aos grosseiros preconceitos dos seus leitores. Que ele se apresente, este Petrônio dúbio sob a linha que “condena os vícios”, com um propósito menos abjeto do que o de condimentar seu texto com descrições truncadas dessas pretensas torpezas. O protesto aqui feito, certo de sua ineficácia, não visa resultado algum – apela simplesmente para a justiça desinteressada do espírito. Aqueles que, tanto neste caso como em outros, fazem questão de desorientar a opinião pública e alargar cada vez mais as fronteiras da idiotice, encontrarão aqui a expressão sincera do meu mais profundo desprezo.
Conforme o eixo do alto cilindro negro e brilhante, brincam de esconde-esconde e revoluteiam as visões fugidias vistas de soslaio; o pavor nos olhos das lebres orelhudas do medo. Sob o chapéu gigantesco, o Sr. Morfeu dissimula mais ou menos uma ausência de rosto. É dia, é noite; mas é sempre noite quando o Sr. Morfeu passa. Todas as polícias do mundo que o procuram jamais o encontrarão, por causa de seu porte, a tal ponto estranho, que o torna invisível. Por cúmulo da ousadia, ele ameaça:
ZdzislawBeksinski
“Quando eu passeava, inteiramente nu, pelas paisagens mitológicas, poucos altares me erigiam, é verdade, mas pelo menos respeitavam-me a carcaça em repouso sob minha cabeleira imensa e áspera como palha de ferro – foram vocês que me tornaram calvo, miseráveis! Quando eu fechava os olhos onde tubilhonavam mundos, como quando se guarda, após o trabalho, os instrumentos de precisão em seu estojo, deixavam-me contemplar em paz, em meio ao ruído da tempestade e dos sonhos, o nascer dos meteoros e fosfenas. Infelizmente, último detentor do segredo da vida, o Oriente agoniza agora! Ah! Celebrai magnificamente seus funerais antes que ele renasça e pule em vosso pescoço! Sim, pois seu despertar será terrível na face do mundo. Com meus pés aleijados não posso deixar de estar, de coração, entre as hordas subterrâneas das lívidas crianças da noite que brevemente pisotearão vossa imunda civilização. Pelo menos, faço o jogo deles no próprio local. Vou roendo lentamente, como um milhão de ratos, o Ocidente que me renega e não tomarei parte no desmoronamento desse colosso de pés de manteiga, cabeça de veado.
“Tendo-me conhecido sempre como bonachão negociante-de-sono, perguntais certamente que nova firma represento! Mas, mesmo que seja apenas pela atmosfera deletéria que me cerca e que emana principalmente de minhas orelhas de vampiro, sentis logo intensa e obscuramente o vasto princípio que propago. Quanto a exprimi-lo, bastante dificuldade teríeis. Quando muito, poderia apresentar-me como um laborioso gênio da Morte-na-Vida. Sou o senhor de todos os estados naturais ou provocados que 'prefiguram', simbolizam a morte e, portanto, participam de seu sucesso. Estes estados ocupam, na vida humana, um lugar muito mais importante do que se acredita. Lembrar-vos-ei, em primeiro lugar, citando Gérard de Nerval, esta constatação tão verdadeira, tão evidente, tão essencial, tão misteriosa, que todas as consciências modernas esquecem regularmente: o homem passa pelo menos um terço da vida dormindo. O fato de não dar atenção a tão simples verdade basta para falsear completamente o conceito atual de “vida humana”. Este lamentável esquecimento constitui uma das principais causas dos males presentes e do cataclismo futuro e próximo. É provavelmente para dar um exemplo que digo que são encerrados todos os dias, em asilos de alienados, homens cujo único crime é o de darem à atividade do sonho um valor igual àquele com que se favorece tão generosamente a atividade de vigília e que por conseguinte, executam as ordens do sonho, na vigília. Por esta equitativa concepção da vida dupla, o próprio Nerval foi amaldiçoado no século.
Alberto Seveso
“Mas, ficai sabendo, faces pálidas, que além do sono, vêm de direito a meus territórios-fantasmas todos os outros estados humanos: recusas de agir, cãibras da vontade, paralisias do vir-a-ser individual, embargos do fluxo metafórico da consciência superficial, brechas na direção de zonas noturnas, os climas interditados onde reina aquele que diz 'não' à vida: o 'eu', o impossível.
“Notai agora esta definição de universalidade que apresento aos zoólogos: o que melhor diferencia o homem do animal é o cachimbo.
“Que me perdoem, quanto ao último termo deste aforismo, por fazer um sacrifício à necessidade de imaginar, de 'ser concreto', de acordo com o gosto da época e por acrescentar uma explicação simples e lúcida: conforme uma imagem retórica bem conhecida, dando o continente pelo conteúdo, dizendo cachimbo quero dizer todos os produtos que servem, mais ou menos, para provocar artificialmente o sono. Eis ainda uma verdade banal e muito clara sobre a qual jamais se pensa, isto é: todos os homens de todos os tempos históricos e pré-históricos, quaisquer que sejam sua moral, religião ou grau de civilização, sempre usaram esses produtos que as farmácias chamam de tóxicos, desde os filtros dos mágicos antigos e dos curandeiros de todas as tribos primitivas, as ervas santas dos Incas, a coca, o peyote do México, o bétele da Oceania, o ópio chinês e indiano, o haxixe e todas as variedades de cânhamos asiáticos e africanos, até os venenos modernos da Europa: éter, tabaco, morfina, heroína, cocaína e ainda o mais universal de todos, o álcool, sob suas variadas formas metropolitanas e coloniais.
“É bastante compreensível e lógico que essas drogas, destinadas a provocar mais ou menos depressa e mais ou menos lentamente o fenômeno de consciência que classifiquei, vagamente entre as recusas de agir, mas que sem dúvida incluí em meu reino Morte-na-Vida, sejam por outro lado nocivas aos instrumentos da ação, isto é, aos órgãos do corpo humano.
“Baseando-se nesta constatação bastante simplória é que, por um lado, por razões facilmente explicáveis, não sentem necessidade de usar esses produtos químicos, e, por outro lado, veem-se munidos legalmente do poder de atentar contra a liberdade privada de seus concidadãos, renunciaram de uma vez por todas a aplicar o princípio político da inação preconizado por Lao-Tse; certo número de homens julgaram ser possível acabar definitivamente com o consumo de drogas, proibindo-as.
“Tais proibições sempre têm fins aparentemente corretos, como o bem público, e objetivos menos aparentes, um pouco sujos, como por exemplo, a repopulação.
“A proibição do álcool nos Estados Unidos, assim como a do ópio, da cocaína, etc., em quase todos os países origina-se desta maneira depensar comum não somente a todos os legisladores, mas também a todos os homens que pensam 'direito', isto é, a maioria dos países civilizados.
“Quanto aos que pensam de modo diferente, respondem às proibições pela fraude ou pela inversão do ersatz. Mas todos os homens de toda sas nações continuam a provocar artificialmente em si próprios o estado de Morte-na-Vida, por meios à sua escolha.
“O tabaco nunca foi proibido, o álcool quase nunca; enfim, o consumo do ópio é recomendado na Índia e na Indochina. A parcialidade destas proibições nunca foi determinada pelo caráter mais ou menos nocivo da droga, como deveriam prová-lo, principalmente os dois primeiros exemplos, se o juízo do leitor não for completamente falseado pelas proposições da imprensa sobre os estupefacientes proibidos, bode expiatório dos higienistas e seus servidores. Assim, eu, Morfeu & Cia., que atualmente tenho o truste das drogas proibidas no mundo, pretendo responder aos jornalistas pagos por meus concorrentes para denegrir minha mercadoria. E vou defendê-la com imparcialidade.
“Sim, senhores da continência, neste assunto, como em todos os outros, aliás, existem os mais funestos mal-entendidos, desde os mais grosseiros até os mais sutis. Comecemos por observar que, sendo grande parte dos meus estupefacientes o apanágio de uma ínfima minoria, a grande maioria que os ignora faz de seus malefícios uma ideia totalmente lendária, ideia sabiamente alimentada pelos repórteres que sempre procuram o horror romântico barato. Nas regiões onde todo o mundo consome o álcool em quantidade mais ou menos grande, não existe ninguém, a não ser umas velhas solteironas, cheias de boas intenções, que creia nas vantagens da Liga Contra o Álcool. Todo mundo os conhece, em sua roda, bêbedos inveterados e exagerados, vendendo saúde e dez vezes centenários. Ao mesmo tempo, podemos rir comparando os cartazes grotescos onde pintam “o inferno dos viciados em drogas” (sic e resic e resic) – e na falta de mais ampla informação, o público calca sua opinião nestas caricaturas – comparando-os, com a inofensiva realidade.
“Inúmeras vezes, visitando meus fiéis, acompanhei com andar claudicante, os passos maiores e mais longos de célebres repórteres, aventurando-me em antros de fumo e em cafarnauns mal iluminados e decorados com trastes de toque asiático, onde os bravos e alegres rapazes contavam, dando tapas nas coxas, estórias licenciosas e até mesmo sádicas. Amargas decepções afligiram vossos espíritos embrutecidos por previsões sepulcrais, quando descobrísseis autênticos e antigos intoxicados, inveterados adeptos de estupefacientes formidáveis, mas também amigos de boa mesa, bom vinho, e, cúmulo da abominação, muitas vezes tendo rebentos igualmente imbecis, galhofeiros, gordos, bochechudos e tão prósperos quanto os pais. E, se vivêsseis algum tempo em contato com esses forçados do mal, logo veríeis que sua vida é regrada, que cuidam de seus negociozinhos, que têm as mesmas preocupações dos outros bacanais e que seu 'vício',enfim, não tem em sua vida um papel mais amplo, mais demolidor e nefasto do que outro entre os mais fantasmagóricos, a masturbação, por exemplo. Além do mais, para tornar vossa desilusão irremediável, por mais consternadora que fosse tal constatação – que os efeitos das drogas mais virulentas são incomparavelmente menos violentos do que os do álcool, pois não somente eles nunca têm delírios alucinatórios, mas levam a impudência ao ponto de jamais ficarem embriagados. Para eles, tudo se limita a uma vaga euforia. Só o terrível pó branco que é um pouco excitante.
“Desafio qualquer pessoa a contradizer-me neste ponto. É o certo abuso de meu produto que provoca às vezes os dois temíveis fantoches, meus primos, a Loucura e a Morte, mas o faz menos frequentemente do que o abuso do álcool. Sim, pois o álcool é meu melhor tóxico, e os viciados em drogas em geral são indivíduos de temperamento delicado demais para suportar longamente a embriaguez alcoólica.
“Se esta parte de meu império carece um pouco de lirismo, se todos os meus vassalos não são lá muito bonitos, a culpa é de vossa estúpida humanidade.
“Alguém poderá objetar, inteligentemente:
-Mas se por acaso, tudo o que declaras for verdadeiro (sede polidos), as terríveis proibições das quais falavas agora há pouco são certamente um pouco ridículas (olá, um ponto ganho), mas teu erro não é muito grave; evita, aos predispostos, hábitos maléficos, se não muito perigosos, pelo menos sem interesse!
“Ora, para com isto, infeliz! Quem é o miserável que pronuncia essas palavras afônicas? Eu o repreenderia rudemente pela temeridade de seu julgamento, se não percebesse que esse mesmo infeliz, por um artifício de retórica ultragasto, sou eu mesmo. Para, portanto, infeliz, digo eu, pois não sabes por que motivo os viciados em drogas tomam drogas.
“Na noite impura de lama e sangue, onde a humanidade, assim como um esfolado arrasta sua pele, vai arrastando sua vida miserável e sofrida, minuto a minuto, montanha feita de élitros de insetos aglomerados, na noite impura de lama e lava, onde ninguém se reconhece a si próprio, eu Morfeu-o-Fantasma, eu, Morfeu-o-Vampiro, reino, tutelar e cheio de sarcasmo, sobre meus rebanhos malditos, como o rei condor rodopiando nas nuvens sobre uma horda de lebres cavalgadas pelo medo através de uma estepe árida, imensa e sem fendas como a representação geográfica da rotundidade do globo terrestre.
“E, se não Maldoror, farol do mal despertado na noite da terra, caem todas as lebres humanas fascinadas pelos círculos concêntricos que descrevem rapidamente meus olhares morfeanos. Sim, caem por terra, a cabeça separada da de seus sósias, nas torrentes subterrâneas do sono que se vão jogar no lago da morte. Mas, para alguns privilegiados somente, disseminados através de todos os tempos e de todos os espaços, multiplico a pequena morte e aperfeiçoo sua imagem até torná-la assíntota do mais autêntico trespasse, doando-lhe a poeira estrelar que cobre minhas asas, os parasitas mordedores que as povoam, os vapores que delas se elevam e os tubos de suas plumas transformadas em cachimbos.
“Mas estes seres eleitos pela maldição noturna são e permanecerão relativamente raros; meu império – infelizmente – está sujeito às leis biológicas.... As estatísticas demonstram facilmente que – com exceção de algumas personalidades superiores bastante evoluídas para fugir à maioria das contingências sociais (quantidade, se não qualidade, negligenciável) - meus súditos tornaram-se maioria, legião, unanimidade nas raças em declínio, nas tribos envelhecidas que agonizam. Pensemos no alcoolismo dos índios da América do Norte. São eles a monstruosa exceção entre os povos que vivem sua fase conquistadora de expansão. Em todo o caso, algumas miseráveis leis de proibição jamais poderão impedir essas gigantescas e fatais reações étnicas.
“Em vossas moribundas cidades da Europa, onde se gastam em seus últimos contatos todas as raças e todas as suas fases, vedes lado a lado todos os meus malditos, as vítimas dos fenômenos étnicos e as de dramas individuais, percebidos até agora pela 'psicologia dos estados', ainda desconhecida no conjunto de sua teoria e que Gilbert-Lecomte oporá, quando chegar a hora, a todas as velhas asnices derivadas da 'psicologia das faculdades' que apodrecem nas Sorbonnes deterioradas. Não há dúvida de que escapam ao meu domínio uma maioria de indivíduos que sentem a respeito das drogas uma repulsa verdadeira e invencível, que apenas reforçam os imperativos morais. São seres suja mocidade orgânica, que nada tem que ver com a idade, mas que passa tanto quanto por ela, faz com que neles predomine o 'instinto de autodestruição' do qual nunca ousamos falar e que, no entanto, tem um lugar igual na maioria das consciências humanas.
“Mas, diante desses homens ditos sadios, para quem o repouso de cada noite, mesmo reduzido ao mínimo, é ainda um fardo pesado do qual só desejariam libertar-se para agir melhor, há outros, os amantes dos longos sonos sem sonhos, aqueles que um mal desconhecido atormenta e para os quais a felicidade está na Morte-na-Vida. Há, principalmente, pesados e impiedosos, no campo fechado do corpo obscuro, os combates entre os inimigos mortais, querer-viver e não-agir, volúpia de poderes e outras mais pérfidas, do querer que agoniza em crepúsculos fúnebres, em declínios de vertigens.
“Entre os homens triplamente marcados pelo meu signo, descobrireis o resultado dessa antinomia em todos os degraus da escada dos valores. Depois de uma maioria de deformados hereditários, nos quais o gosto pelas drogas não passa de uma reação animal contra o não-senso que constitui sua vida tarada, e vereis que até alguns grandes forçados, amaldiçoados pelas tempestades e pelas borrascas que são sempre as terríveis vozes do espírito amaldiçoado, e sucumbindo à desonra de serem homens.
Jana Stovakovic
“Há, na realidade, para certo número de seres de sensibilidade super aguçada, uma consciência de estados opostos às vezes intensamente exaltada e às vezes dolorosa. Os sinais dessas crises exageram-se em alguns predestinados, monstruosos só pelo fato de terem no fundo de si mesmos, como sua própria condenação, um elemento sobre-humano que ultrapassa e contradiz sua época, fulgurações do espírito ou energia física gigantesca. Tais elementos bastam para desajustar enormemente uma vida humana. Em primeiro lugar, por seu caráter antissocial: provocam ações irredutíveis ao julgamento universal do comum dos homens, que se vingam traçando à volta do maldito um círculo mágico que o isola; provocam a incompreensão odiosa e os constrangimentos niveladores que o forçam à amargura da solidão, também chamada 'loucura'. Por outro lado e em segundo lugar, por seu caráter antifisiológico no plano individual; a pura violência, que é sua natureza, ganha, em alguns anos, das mais fortes máquinas humanas.
“E, agora, admitamos este princípio que é a única justificativa do gosto pelos estupefacientes: o que todos os viciados pedem às drogas, consciente ou inconscientemente, não são as volúpias equívocas, a hiperacuidade sensual, a excitação e outras balelas com as quais sonham todos os que ignoram os 'paraísos artificiais'. É única é simplesmente uma mudança de estado, um novo clima onde sua consciência deverá ser menos dolorosa.
“Jamais poderemos compreender todos os inimigos, as pessoas de humor igual e serenas, os franceses médios, os burocratas da inteligência, todos aqueles cujo espírito, instrumento primitivo e grosseiro, mas inquebrável, está sempre pronto a entregar-se a seus hábitos cotidianos, sem jamais conhecer a noite sólida do embrutecimento petrificado, nem a agilidade milagrosa do clarão que cega. Eles não percebem que, em oposição aos peixes de boca redonda chamados ciclóstomos, os psiquiatras batizaram com o vocábulo 'ciclotímico' certo número de 'doentes' cuja vida decorre em alternâncias infernais e regulares de estados hipo e hiper, de depressões e de entusiasmos espirituais. Frequentemente, aqueles que conhecem a dor lancinante dessas depressões preferem recorrer ao suicídio.
“Mais incompreensível ainda será o estado de consciência assustadoramente clara. Trata-se da dor pouco comum ao homem de julgar-se de repente 'inteligente' demais. É inútil tentar fazer nascer, num espírito que não a experimentou, a aproximação deste estado que, segundo um determinismo desconhecido, num instante súbito de horror frio e tenaz do véu rasgado dos antigos mistérios. Ante a mais absoluta disponibilidade da consciência, isto significa a lembrança brusca da inutilidade do ato em curso, tornado símbolo de todo e qualquer Ato, diante do escândalo de ser, e de ser limitado, sem conhecimento de si mesmo. Essência da angústia em si que engendra os loucos, que engendra os mortos.
“E não é o obscurecimento reencontrado do estado de consciência normal e interessado na vida cotidiana, que pode um homem fugir da lembrança desta luz absoluta que mataria um cego vivo. Embora tenha sido apenas uma entrevista na fenda de um relâmpago, ela deixa na cabeça humana um câncer imortal. Sim, pois não podemos opor um estado habitual, que seria a norma, a outros estados que chamaríamos de patológicos, porque são percebidos imediatamente como inferiores ou superiores àquele. Há apenas estados mais ou menos dolorosos e a atitude normal do homem é provocar em si o estado de menor sofrimento. Assim sendo, a lembrança de um estado superior (por ser mais luminoso), ao estado dito normal, basta para tornar este último intolerável. Seria então preciso mudá-lo o mais frequentemente e o mais longamente possível. Infelizmente, para a clareza desta exposição, não é aqui oportuno examinar os diferentes meios capazes de fazer mudar uma consciência de planos que vão em princípio, da inconsciência absoluta à consciência total e onisciente: eis aí o princípio de toda uma ética dinâmica e imediata. Mas, no caso de que nos ocupamos, basta saber que o uso de estupefacientes, tomados em quantidade adequada, é inegavelmente um desses meios. Sim, pois cada droga gera um estado específico: a embriaguez do álcool, o kief do ópio e mais geralmente, a euforia dos alcaloides, etc. E se é impossível, no momento presente, encarar o valor mortal desses estados mais dolorosos, para não dizer inferiores ou superiores, as drogas certamente salvaram muitas vidas.
“Além do mais basta dizer que os estupefacientes são considerados por alguns místicos, por paradoxal que isso possa parecer, como meios de ascetismo. Claro que nunca poderiam ser considerados como geradores de êxtases, pois seus estados específicos estão nas antípodas, nem mesmo como favoráveis à contemplação, e sim como contravenenos. Na vossa civilização moderna, principalmente, onde o corpo humano fica degradado pelo excesso de alimento, pela febril superatividade...
“Em vão amordaçadas por vossas leis sociais, dormem entre vós energias destruidoras que poderiam fazer voar o mundo pelos ares. Por seus olhares incendiários, reconheço, nos terrenos desertos, Átila, Genghis-Khan, Tamerlão. A embriaguez do álcool é para os operários, o mais nobre protesto contra a vida sórdida que os fazem levar à espera da morte, enfim, do pensamento do Ocidente, à espera do cataclismo futuro, aureolado de revoluções, eu, Morfeu, moldo as hordas vindouras de acordo com minha rude higiene. Enquanto espero a hora, é sobre si mesmos que exijo que eles exerçam sua força de destruição. E nas mutilações voluntárias, os envenenamentos terríveis dos álcoois que fazem o ser ofegante rolar nas margens da morte, os golpes de cabeça nas paredes, todos os sofrimentos que me foram infligidos são os únicos critérios que me asseguram da existência de homens fisicamente desesperados, suficientemente mortos em sua própria individualidade para demonstrar na face o sarcasmo impassível do desinteresse perante à vida, único penhor de todos os atos sobre-humanos.”
E, enquanto, frenético, Morfeu-o-Vampiro desaparecia devorando-se a si mesmo, seus fiéis gritavam:
“Faze-nos durões e morde até matar!”
(Texto completo transcrito da antologia A experiência alucinógena.)