Dia dos namorados. Data maior do capitalismo em tempos de
crise, o amor comerciado aquece o coração da economia e anestesia o vazio dessa
era sintética. A Alemanha arquivou hoje o processo gerado com a denúncia de
espionagem feita pela NSA contra o estado alemão. “Não há provas”, diz o
judiciário. Os soldados israelenses que mataram dois garotos palestinos que
estavam sozinhos numa praia são inocentados. “Foi um erro”, diz o judiciário. O
espetáculo de comoções globais contra os abusos das elites militares do mundo
hoje desvanece, e o sistema reafirma sua intocabilidade soberana. Os mecanismos
de lei e ordem se atualizam e encobrem as chagas abertas pelos seus outros
tentáculos afiados.
O que esperar dos poderes estabelecidos? Que eles mesmos se
reformem, vistam um rosto amigável e honesto e mudem a estrutura da pirâmide
cuja ponta dominam? Hunter Thompson dizia que numa sociedade fechada onde todos
são culpados, o único crime é ser pego. Hoje somos obrigados a revisar essa
máxima, pois o que significa ser pego quando todos os âmbitos da lei estão no
mesmo conluio que os chefões do crime? A corrupção é endêmica à hierarquia.
Enquanto vivermos em um ambiente assim configurado – e, principalmente, numa
mentalidade assim configurada – assistiremos o cortejo de crimes e castigos
públicos e privados, os elegantes suplícios de elites flagradas com as mãos
sujas de seu negócio mais antigo, milenar: a exploração. Enquanto algumas
personalidades ilustres, como os chefões da FIFA no momento, são levadas à aristocrática
guilhotina legal, a mão que controla as marionetes é esquecida.
E o extermínio
sistemático segue prosperando, livrando nossas abarrotadas metrópoles e
inóspitos campos das populações indesejáveis, recicláveis, sem privilégios nem
heranças. As capitanias hereditárias seguem seu fluxo infecto de proles já
destinadas ao poder desde o berço. Forças contestatórias são esmagadas ou
sutilmente cooptadas como oposição controlada, ostentando bandeiras hipócritas
e cultivando sua popularidade com as vãs esperanças e ilusões legítimas. Os
impérios da mídia perdem sua força, mas desesperadamente atualizam suas
técnicas e linguagens para continuar parasitando e confundindo as mentes de
novas gerações mais exigentes e desconfiadas.
Seremos todos uma massa disforme
esmagada pelo rolo compressor da história, mas a consciência disso não nos
relegará à apatia e à conformidade. É preciso romper com as cumplicidades entre
nossos íntimos desejos e os interesses dessa máquina titânica. Declarar guerra
às falsificações de nossos próprios sentimentos e pensamentos, projetados no
espelho distorcido que é a ideologia do
controle, propagada pelas instituições que são os pilares dessa civilização
condenada. Falsificações que tomam formas familiares, sedutoras, emocionais e
culturais, inoculadas pela escola e pela publicidade, pelo direito e pela
economia, pelo entretenimento e pela política. Prisões conceituais que nos
condenam à decomposição, cercando-nos de grades reais e simbólicas que nos
separam da realização dos legítimos impulsos humanos, de viver livre de
sujeições. A grande guerra de hoje é empreendida no plano mental. Conformidade ou
resistência, percepção ou ilusão. Uma posição firme precisa ser tomada dentro
de nossas cabeças, o primeiro passo para uma ação – efêmera ou não – que sabote
o atual estado das coisas. Avante! Para o nada!
"A empatia com o vencedor beneficia sempre, portanto, esses dominadores. Isso já diz o suficiente para o materialista histórico. Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, que os dominadores de hoje conduzem sobre os corpos dos que hoje estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no cortejo triunfal, como de praxe. Eles são chamados bens culturais."
"A empatia com o vencedor beneficia sempre, portanto, esses dominadores. Isso já diz o suficiente para o materialista histórico. Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, que os dominadores de hoje conduzem sobre os corpos dos que hoje estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no cortejo triunfal, como de praxe. Eles são chamados bens culturais."
- Walter Benjamin
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